Caso concreto adaptado.
Maria é uma mulher pobre, em grave estado de vulnerabilidade. Em 2010, nasceu Ritinha, sua filha. Entretanto, diante da sua grave situação, a criança foi entregue para adoção. Após regular procedimento, Ritinha foi adotada por Célia.

Maria, entretanto, sempre buscou manter vínculo afetivo com Ritinha. Anos após, Maria procurou Ritinha, já maior de idade, informando seu interesse em adotá-la, tendo em vista sua vontade de restabelecer a sua maternidade. Ritinha concordou.

O pedido de adoção realizado pela mão biológica é juridicamente possível?
Sim.

Aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente em processos de adoção.
De acordo com a nova redação dos arts. 1.618 e 1.619 do CC/2002, a adoção de crianças será regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. No mesmo sentido a adoção de adultos, que também dependerá da assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva, e será regida pela mesma Lei, no que couber.

Portanto, não subsiste mais a discussão em torno de se determinar qual é o documento legal regente das adoções. Atualmente, todas as adoções, sejam de crianças, adolescentes ou adultos, serão regidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, guardadas as particularidades próprias das adoções de adultos.

No caso concreto, entretanto, adota-se do Código Civil.
Contudo, uma vez proposta demanda judicial, o julgamento desta deve ter como referência a lei vigente no momento do ajuizamento da ação. No caso, a demanda foi ajuizada em agosto de 2003, quando a adoção de adultos era regulada pelo Código Civil de 2002.

Então para o julgamento da presente ação de adoção de pessoa maior, deve-se considerar dois aspectos relevantes:
O regramento aplicável ao pedido de adoção é aquele vigente à época da propositura da ação, ou seja, a redação original dos arts. 1.618 e seguintes do Código Civil de 2002;
A pessoa maior foi adotada em 1986, antes, portanto, do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando era vigente o Código de Menores (Lei n. 6.697/1979).

É inequívoco que a adoção realizada na infância é válida e irrevogável, mesmo considerando-se que foi realizada sob a égide do Código de Menores (art. 37 da Lei n. 6.697/1979).
Criou-se novo vínculo de filiação, com a consequente desconstituição do vínculo da adotada com os pais biológicos e parentes consanguíneos, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais.

No caso, a genitora ajuizou ação de adoção, no intuito de adotar sua filha biológica, maior de idade e capaz, a qual fora adotada na infância. Com o passar dos anos, mãe e filha biológicas foram se aproximando cada vez mais e passaram a nutrir um desejo recíproco de retornarem a ser mãe e filha, com o que concordam os pais adotivos.

Na ação, não se postula nulidade ou revogação da adoção anterior.
Todavia, na demanda, não se postula a nulidade ou revogação da adoção anterior, mas o deferimento de outra adoção, adoção de pessoa maior, regida pelo Código Civil de 2002, não sujeita (ao tempo da propositura da ação) ao regime especial do Estatuto da Criança e do Adolescente, embora dependendo de procedimento judicial e sentença constitutiva (art. 1.623, parágrafo único, do CC/2002).

A lei não traz expressamente a impossibilidade de se adotar pessoa anteriormente adotada. Basta, portanto, o consentimento das partes envolvidas, ou seja, os pais ou representantes legais, e da concordância do adotando.

O argumento de que a adoção é irrevogável não atrai a impossibilidade jurídica do pedido.
Cabe ressaltar que o argumento de que a adoção é irrevogável, consoante a antiga redação do art. 48 do ECA (atual art. 39, § 1º), não conduz à conclusão de que o pedido é juridicamente impossível. Isso, porque a finalidade da irrevogabilidade da adoção é proteger os interesses do menor adotado, em se tratando de criança e adolescente.

Com efeito, o escopo da norma é vedar a revogação da filiação adotiva a fim de evitar que os adotantes simplesmente “arrependam-se” da adoção efetivada, por quaisquer motivos, e “devolvam” a criança ou adolescente adotado, sendo a irrevogabilidade uma medida de proteção, estatuída em favor dos interesses do menor adotado.

Quando o adotado, ao atingir a maioridade, deseja constituir novo vínculo de filiação e concorda com nova adoção, não faz sentido a proteção legal, ficando claro que seus interesses serão melhor preservados com o respeito à sua vontade, livremente manifestada.

A adoção de qualquer pessoa, maior ou menor de dezoito anos, deve “constituir efetivo benefício para o adotando” (CC/2002, art. 1.625), o que corresponde às “reais vantagens” da diretriz do ECA (art. 43), sendo, dessa forma, expressões que se equivalem e induzem ao princípio do melhor interesse.

Todos os requisitos foram cumpridos.
Portanto, aplicando-se à espécie o regramento do Código Civil de 2002, por se tratar de adoção de pessoa maior e capaz, tem-se que todos os requisitos legais foram preenchidos na situação:
A adotante é maior de dezoito anos (art. 1.618);
Há diferença de idade de dezesseis anos (art. 1.619);
Houve consentimento dos pais da adotanda e concordância desta (art. 1.621);
O meio escolhido foi o processo judicial (art. 1.623);
Foi assegurada a efetiva assistência do Poder Público (art. 1.623, parágrafo único);
O Ministério Público constatou o efetivo benefício para a adotanda (art. 1.625).
STJ. Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/10/2022, DJe 24/10/2022 (info 754).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Área de Membros

Escolha a turma que deseja acessar: