Pessoa Jurídica da Lei nº 9.605/1998 – Lei de Crimes Ambientais.
A Lei nº 9.605/1998 – Lei de Crimes Ambientais traz a possibilidade de aplicação de sanções de natureza penal a pessoas jurídicas. Vejamos:
Lei nº 9.605/1998 – Lei de Crimes Ambientais.
Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:
I. multa;
II. restritivas de direitos;
III. prestação de serviços à comunidade.
Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:
I. suspensão parcial ou total de atividades;
II. interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
III. proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.
§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.
§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.
Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:
I. custeio de programas e de projetos ambientais;
II. execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
III. manutenção de espaços públicos;
IV. contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.
As sanções criminais não se equiparam a obrigações cíveis, porque o fundamento jurídico de sua incidência é em todo distinto.
As sanções passíveis de imposição à pessoa jurídica, previstas nos arts. 21 a 24 da Lei n. 9.605/1998, assemelham-se a obrigações de dar, fazer e não fazer, o que poderia induzir o intérprete a acreditar numa possível transmissibilidade à sociedade incorporadora. Afinal, há uma inegável similitude entre os efeitos práticos da obrigação civil de reparar o dano causado e, exemplificativamente, a imposição da pena de executar obras de recuperação do meio ambiente degradado, modalidade de reprimenda restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade) tratada no art. 23, II, da Lei n. 9.605/1998.
As sanções criminais, entretanto, não se equiparam a obrigações cíveis, porque o fundamento jurídico de sua incidência é em todo distinto. Na relação entre o Ministério Público e o réu em uma ação penal, inexistem os três elementos obrigacionais há pouco referenciados, justamente porque a pretensão punitiva criminal não é uma obrigação, dela divergindo em suas fontes, estruturas e consequências.
No aspecto estrutural, o vínculo das obrigações recai sobre o patrimônio do devedor (art. 798 do CPC), enquanto a pretensão punitiva sujeita não só os bens do acusado, mas também sua liberdade e, em casos extremos, sua própria vida (art. 5º, XLVII, “a”, da CR/1988) à potestade estatal. Essa severidade adicional do braço sancionador do Estado justifica outra diferença nas estruturas da obrigação e da pretensão punitiva: enquanto a obrigação, sem atravessar a crise do inadimplemento, pode ser espontaneamente cumprida pelo devedor, a pretensão punitiva sequer é tecnicamente adimplível. O autor de um delito não pode, ele próprio, reconhecer a prática do crime e privar-se de sua liberdade com uma pena reclusiva, sendo imprescindível a intermediação do Poder Judiciário para a imposição de sanções criminais – e isso mesmo nos casos em que o sistema jurídico permite negociações entre acusação e defesa a seu respeito, como nos acordos de colaboração premiada, regidos pela Lei n. 12.850/2013.
Por fim, as consequências jurídicas da obrigação e da pretensão punitiva são também distintas. Se de um lado a obrigação reclama adimplemento (espontâneo ou forçado) ou resolução em perdas e danos, a pretensão punitiva, de outro, gera a aplicação de pena quando julgada procedente pelo Poder Judiciário.
As penas criminais impostas as pessoas jurídicas são intransmissíveis (assim como as aplicadas a pessoas físicas).
Todas essas diferenciações demonstram que não é possível enquadrar a pretensão punitiva na transmissibilidade regida pelos arts. 1.116 do CC/2002 e 227 da Lei n. 6.404/1976, o que nos traz a uma conclusão intermediária: não há, no regramento jurídico da incorporação, norma autorizadora da extensão da responsabilidade penal à incorporadora por ato praticado pela incorporada.
Pensando ainda no aspecto consequencial, a pena é disciplinada por um plexo normativo próprio, com matizes garantistas que delimitam sua extensão e também não têm correspondência no campo das obrigações. Para os fins deste voto, o mais relevante deles é o princípio da pessoalidade ou intranscendência, insculpido no art. 5º, XLV, da CR/1988.
No caso concreto, a empresa foi incorporada por outra, sem que haja indício de fraude.
É distinta a hipótese da incorporação realizada para escapar ao cumprimento de uma pena já aplicada à sociedade incorporada em sentença definitiva, ainda que não exista fraude. Afinal, no presente caso, não chegou a ocorrer a prolação de sentença condenatória, porque a ação penal foi trancada em seu nascedouro: o que se julgou neste recurso especial foi a possibilidade de a incorporadora suceder a incorporada para responder a ação penal ainda em tramitação. A situação seria diferente se já houvesse sentença definitiva impondo alguma pena à sociedade e esta, sentindo-se onerada pela reprimenda, aceitasse ser incorporada por outra, a fim de não arcar com os efeitos da sanção penal.
Casos em que a incorporação pode ser desconsiderada: incorporação após a sentença condenatória transitada em julgado ou incorporação fraudulenta.
Para esses dois casos (tanto a ocorrência de fraude como a incorporação realizada após sentença condenatória transitada em julgado), pode-se pensar na desconsideração da incorporação, ou mesmo da personalidade jurídica da incorporadora, a fim de manter viva a sociedade incorporada até que a pena seja cumprida. Ou, no caso da pena mais gravosa do catálogo legal (a liquidação forçada, prevista no art. 24 da Lei n. 9.605/1998), é viável declarar a ineficácia da operação de incorporação em face do Poder Público, de modo a garantir que a parcela de patrimônio incorporada seja alcançada pela pena definitiva.
Trata-se de soluções em tese possíveis para evitar o esvaziamento da pretensão punitiva estatal, a serem aprofundadas pelo Judiciário nas hipóteses sobreditas. O fundamental, neste julgamento, é compreender que a situação dos autos não abrange fraude ou incorporação com o fim de escapar a uma pena já aplicada, mesmo porque, repito, a ação penal foi trancada pouco após o recebimento da denúncia. Se configurada alguma dessas outras hipóteses, haverá distinção em relação ao precedente ora firmado, com a necessária aplicação de consequência jurídica diversa. STJ. REsp 1.977.172-PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por maioria, julgado em 24/08/2022 (info 746).