Regra acerca da responsabilidade civil do servidor de aplicação (art. 19).
O Art. 19 do Marco Civil da Internet determina que o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica.
O STJ, entretanto, trouxe uma exceção.
Responde civilmente por danos morais o provedor de aplicação de internet que, após formalmente comunicado de publicação ofensiva a imagem de menor, se omite na sua exclusão, independentemente de ordem judicial.
Apesar do art. 19 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) dispor que o provedor somente será responsável civilmente, em razão de publicação gerada por terceiro, se descumprir ordem judicial determinando as providências necessárias para cessar a exibição do conteúdo ofensivo, afigura-se insuficiente a sua aplicação isolada. STJ. REsp 1.783.269-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/12/2021 (info 723).
Não se esqueça que o art. 21 também traz um caso excepcional: quando há reprodução de nudez ou de ato sexual privado, divulgado sem o consentimento da pessoa reproduzida.
Neste caso, aplica-se a regra do art. 21. Portanto, o servidor de aplicação deverá tornar o conteúdo indisponível logo após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal (sendo desnecessária ordem judicial).
O art. 21 do Marco Civil da Internet traz exceção a regra do art. 19, visando coibir a porn revenge.
O art. 21 do Marco Civil da internet traz exceção à regra de reserva da jurisdição estabelecida no art. 19 do mesmo diploma legal, a fim de impor ao provedor, de imediato, a exclusão, em sua plataforma, da chamada “pornografia de vingança” – que, por definição, ostenta conteúdo produzido em caráter particular -, bem como de toda reprodução de nudez ou de ato sexual privado, divulgado sem o consentimento da pessoa reproduzida.
Sistema notice and take down.
Excepcionalmente, em casos de divulgação, sem consentimento, de cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, há possibilidade de remoção de conteúdo mediante simples notificação da vítima. Inteligência do art. 21 do Marco Civil da Internet que, em excepcional sistema de notice and take down, prevê a responsabilidade do provedor pela omissão diante de simples notificação do ofendido para retirada do conteúdo ofensivo.
STJ. REsp n. 1.848.036/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 5/5/2022.
Não há como descaracterizar um material pornográfica apenas pela ausência de nudez total.
O fato de o rosto da vítima não estar evidenciado nas fotos de maneira flagrante é irrelevante para a configuração dos danos morais na hipótese, uma vez que a mulher vítima da pornografia de vingança sabe que sua intimidade foi indevidamente desrespeitada e, igualmente, sua exposição não autorizada lhe é humilhante e viola flagrantemente seus direitos de personalidade.
O art. 21 do Marco Civil da Internet não abarca somente a nudez total e completa da vítima, tampouco os “atos sexuais” devem ser interpretados como somente aqueles que envolvam conjunção carnal.
Isso porque o combate à exposição pornográfica não consentida – que é a finalidade deste dispositivo legal – pode envolver situações distintas e não tão óbvias, mas que geral igualmente dano à personalidade da vítima.
STJ. REsp n. 1.735.712/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/5/2020, DJe de 27/5/2020.
O fato do rosto da vítima não está evidenciado não retira a aplicação do art. 21 do Marco Civil da Internet.
O fato de o rosto da vítima não estar evidenciado nas fotos de maneira flagrante é irrelevante para a configuração dos danos morais na hipótese, uma vez que a mulher vítima da pornografia de vingança sabe que sua intimidade foi indevidamente desrespeitada e, igualmente, sua exposição não autorizada lhe é humilhante e viola flagrantemente seus direitos de personalidade.
STJ. REsp n. 1.735.712/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/5/2020, DJe de 27/5/2020.
Requisitos cumulativos para a aplicação do art. 21 do Marco Civil da Internet:
Para a aplicação do art. 21, mostra-se imprescindível:
i) o caráter não consensual da imagem íntima;
ii) a natureza privada das cenas de nudez ou dos atos sexuais disseminados; e
iii) a violação à intimidade.
STJ. REsp n. 1.848.036/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 5/5/2022.
Vamos entender melhor os requisitos:
Caráter não consensual da imagem íntima: inclui tanto a veiculação de cenas íntimas obtidas sem o consentimento da vítima quanto com o seu consentimento, mas divulgadas sem a sua autorização.
STJ. REsp n. 1.930.256/SP, Voto da Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 17/12/2021.
A natureza privada das cenas de nudez ou dos atos sexuais disseminados: Exclui, por exemplo, as imagens íntimas produzidas e cedidas com fins comerciais.
STJ. REsp n. 1.930.256/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 17/12/2021.
A violação à intimidade: Decorre da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado.
STJ. REsp n. 1.679.465/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13/3/2018, DJe de 19/3/2018.
O art. 21 do Marco Civil da Internet também pode ser aplicado no caso de imagens intimas enviadas por aplicativo de conversas privadas (WhatsApp)?
Sim. O provedor do aplicativo de mensageria privada (WhatsApp) responde solidariamente quando, instado a cumprir ordem de remoção de conteúdo relacionado a imagens íntimas compartilhadas sem autorização (pornografia de vingança), não toma providências para mitigar o dano.
Controvérsia do caso concreto.
A controvérsia consiste em decidir se é possível caracterizar como inerte a postura do provedor de aplicativo de internet (mensageria privada) que, após instado a cumprir ordem de remoção de conteúdo infringente (imagens íntimas de menor de idade compartilhadas sem autorização), deixa de adotar qualquer providência sob fundamento de impossibilidade de exclusão do conteúdo por questão técnica do serviço (criptografia ponta a ponta).
Em situação de violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, a norma do art. 21 do Marco Civil da Internet (MCI) atribui responsabilidade do provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros quando – após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal que contenha identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante -, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização do conteúdo não autorizado.
Essa expectativa de postura mais proativa por parte dos provedores de aplicação de internet quando da avaliação de seu grau de culpabilidade na manutenção do conteúdo infrator decorre do entendimento deste STJ, no sentido de conferir preocupação maior quando a vítima for menor de idade, podendo a omissão do provedor ser penalizada com o reconhecimento de dano moral “in re ipsa” nos mesmos moldes das situações de publicações de imagens de menores, em canais públicos de aplicativos de mídia social, sem autorização dos responsáveis pelos menores (REsp 1.783.269/MG, Quarta Turma, DJe 18/02/2022).
A alegação de impossibilidade técnica de cumprimento da ordem não foi aceita.
Alegações de impossibilidade técnica de cumprimento de ordem de remoção devem ser analisadas com ceticismo quando inexistir exame pericial específico que possa atestar ausência de controvérsia relativa a limitações da tecnologia envolvida.
Hipótese em que provedor do aplicativo WhatsApp alega inviabilidade de acesso, interceptação ou remoção de conteúdo de mensagens trocadas entre seus usuários em razão da criptografia de ponta a ponta e inexistência de URL para identificar a fonte do conteúdo, porém, deixa de adotar medida equivalente para eliminar ou mitigar o dano ocasionado pelos usuários que utilizam o serviço de mensageria de forma ilícita, a exemplo da suspensão ou banimento cautelar das contas dos infratores quando há a identificação da titularidade das contas, tal como ocorre com o fornecimento do número telefônico associado à conta do usuário infrator.
Assim, no âmbito de provedores de internet – especificamente de serviços de aplicativos de mensageria privada – que utilizam ferramentas técnicas de máxima proteção à confidencialidade de conteúdo, a retirada de conteúdo infringente a que se refere o art. 21 do MCI deve ocorrer:
(i) com a efetiva remoção do conteúdo com a interceptação e exclusão das mensagens, ou
(ii) com a comprovação de adoção de medidas práticas equivalente a impedir ou ao menos diminuir o dano – a exemplo da suspensão ou exclusão da conta do usuário infrator -, desde que a vítima forneça dados suficientes para o provedor identificar a conta infratora, tais como:
o número do telefone, e-mail ou qualquer outra informação pessoal que permita ao provedor identificar a conta do usuário infrator.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 4/2/2025, DJEN 7/2/2025 (info 839).