Refinanciamento com troco
O refinanciamento com troco é uma modalidade de crédito que envolve a renegociação de um empréstimo já existente. O devedor, no caso, tem interesse em rever as condições dessa dívida, mas, em vez de buscar o refinanciamento do saldo devedor, ele refaz o negócio e solicita o mesmo valor do empréstimo que já está em vigor.
O banco, então, devolve a ele a parte que já havia sido paga e cria novas condições para o saldo restante, começando tudo do zero. Esse valor que retorna ao devedor como reembolso é popularmente conhecido como troco. (https://www.serasa.com.br/credito/blog/refinanciamento-com-troco/)
Caso concreto.
Miguel era aposentado e contratou junto à CEF empréstimo consignado a ser pago em 96 parcelas de R$ 1.100,00. O empréstimo vinha sendo descontado normalmente de sua aposentadoria.
Em 22/3/2018, após o pagamento de 41 parcelas (ou seja, quando restavam 55 parcelas em aberto), a recorrida lhe ofereceu uma proposta de compra de dívida pela CIASPREV, com liberação de troco.
Celebrado o contrato, o saldo devedor havido junto à CEF foi quitado e o valor de R$ 147,45, correspondente ao troco, foi liberado em sua conta corrente. Em contrapartida, estabeleceu-se o pagamento, pela compra de dívida firmada com a recorrida, de 96 parcelas de R$ 1.100,00 – ou seja, exatamente as mesmas condições (valor e número de parcelas) do contrato original, que já estava em andamento.
O recorrente ajuizou ação declaratória de nulidade e indenizatória alegando a abusividade na contratação, vez que, em sua concepção, receberia troco no valor de R$ 30.000,00, não de R$ 147,45.
O contrato de refinanciamento no caso concreto pode ser considerado abusivo?
Sim. No caso concreto há clara desproporção, posto que já haviam sido pagas 41 parcelas de R$1.100,00 reais cada e lhe foram devolvidos apenas R$147,45, em evidente desproporção.
A abusividade/nulidade importará a extinção do contrato?
Não. Nesse cenário, a abusividade/nulidade verificada não conduz, necessariamente, à extinção do contrato com restabelecimento das partes ao status quo ante, nem pode ressuscitar o contrato anterior firmado com a CEF, que não figurou como parte no processo.
Princípio da conservação dos atos jurídicos.
Com efeito, a ordem jurídica não fulmina por completo os atos que lhe são desconformes em qualquer extensão.
A teoria dos negócios jurídicos, amplamente informada pelo princípio da conservação dos negócios jurídicos, determina que mesmo as regras cogentes existem apenas para ordenar e coordenar a prática dos atos necessários ao convívio social.
O Código Civil, por exemplo, está impregnado de dispositivos que celebram o princípio da conservação dos atos jurídicos. Muito além de um punhado esparso e assistemático de regras inspiradas em uma mesma orientação, a preocupação com a manutenção dos atos jurídicos aproveitáveis foi destacada pelo legislador de forma expressa no seu art. 184, inserido no capítulo V, intitulado “Da Invalidade do Negócio Jurídico”.
O próprio art. 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), por sinal, fala em “cláusulas abusivas” e não em nulidade contratual, pelo que depreende que apenas as estipulações contratuais inquinadas devem ser interditadas, não se recomendando, por conseguinte, a extinção de todo o contrato.
Sempre que possível, portanto, deve-se evitar a anulação completa do ato praticado, reduzindo-o ou reconduzindo-o aos parâmetros da legalidade.
Deve ser feita a revisão e não a anulação do contrato.
Em princípio, portanto, seria suficiente revisar o contrato firmado de mútuo para extirpar os encargos considerados abusivos, não se justificando, portanto, sua extinção.
Referida conclusão ainda mais se impõe no caso concreto, porque a CEF não fez parte do processo.
Assim, não seria possível retornar as partes ao status quo ante, porque isso envolveria necessariamente a condenação da CEF à restituição do valor recebido da entidade de previdência privada, o que processualmente não se mostra viável. Tampouco se mostra processualmente viável restabelecer o contrato de empréstimo firmado com a CEF, pois referida empresa pública não pode ser condenada a reassumir uma relação jurídica que já havia se extinguido, porque, repita-se, ela não fez parte deste processo.
Destarte, o reconhecimento da abusividade deve resultar apenas na redução das obrigações iníquas assumidas pelo mutuário de modo a reconduzi-lo à mesma situação econômica (e não jurídica) em que se encontrava antes do contrato firmado com a entidade de previdência privada.
STJ. REsp 2.159.883-MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 5/11/2024, DJe 14/11/2024 (info 835).