Tutela da dignidade sexual pelo direito penal brasileiro.
A dignidade sexual é um valor intrinsecamente moral, cuja tutela pelo direito penal reflete a imperiosa necessidade de resguardar os princípios éticos fundamentais da sociedade. Ao criminalizar condutas que atentam contra a dignidade sexual, o legislador reitera o compromisso moral da sociedade em proteger seus membros mais vulneráveis.

Crime de exploração sexual de menores.
O crime de exploração sexual de menores, delineado no art. 218-B, §§ 1º e 2º, do Código Penal, exemplifica claramente essa intersecção entre direito e moral. O § 1º do artigo tipifica a conduta de quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos, nas circunstâncias descritas no caput. Já o § 2º responsabiliza o proprietário, gerente ou responsável pelo local onde se verificam as práticas referidas no caput. A proteção conferida por esse dispositivo legal estende-se não apenas aos menores de 18 anos, mas também àqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não possuem o discernimento necessário para a prática do ato.

O crime tipificado pelo art. 218-B, § 2º, I, do CP não se presta a punir meras circunstâncias de ordem moral, tampouco se submete aos preconceitos socialmente arraigados. O tipo penal em questão não se debruça sobre a maturidade sexual da vítima, uma vez que o legislador, ao estabelecer a vulnerabilidade relativa, reconhece que adolescentes entre 14 e 18 anos podem desenvolver sua vida sexual. Vejamos algumas decisões importantes sobre o tema:

Quem, se aproveitando da idade da vítima, oferece-lhe dinheiro em troca de favores sexuais está a explorá-la sexualmente, pois se utiliza da sexualidade de pessoa ainda em formação como mercancia, independentemente da existência ou não de terceiro explorador.
STJ. EREsp 1.530.637/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por maioria, julgado em 24/03/2021 (info 690).

O crime do inciso I do § 2º do artigo 218-B do CP se configura ainda que a vítima seja prostituta.
Não importa a vítima atuar previamente na prostituição, pois não se pune a provocação de deterioração moral, mas o incentivo à atividade de prostituição de adolescente, inclusive por aproveitamento eventual dessa atividade, como cliente. HC 288.374/AM, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 13/06/2014

O crime do inciso I do § 2º do artigo 218-B do Código Penal não exige habitualidade.
O crime previsto no inciso I do § 2º do artigo 218-B do Código Penal se consuma independentemente da manutenção de relacionamento sexual habitual entre o ofendido e o agente. STJ. 5ª Turma. HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

Caso concreto 1.
Afonso, 45 anos de idade, contrata os serviços sexuais de Ana, adolescente de 17 anos, acertando o pagamento de 200 reais.

Afonso cometeu algum crime?
Sim. O crime do inciso I do § 2º do artigo 218-B do Código Penal.

Caso concreto 2.
Pedro, 45 anos de idade, mantém um relacionamento amoroso com Patrícia, 17 anos. Apesar de não haver nenhum acordo formal de prostituição, Pedro rotineiramente dá muitos presentes a Patrícia, atuando como um verdadeiro mantenedor do estilo de vida caro de Patrícia.

Sugar Daddy.
A relação descrita retrata bem uma relação entre “sugar daddy” e “sugar baby”. Tal termo geralmente se refere a um arranjo entre duas pessoas, tipicamente com uma diferença significativa de idade e/ou status financeiro:
Sugar Daddy: Normalmente é um homem mais velho e financeiramente estabelecido que oferece apoio financeiro ou presentes materiais.
Sugar Mommy: Normalmente é uma mulher mais velha e financeiramente estabelecido que oferece apoio financeiro ou presentes materiais.
Sugar Baby: Geralmente é uma pessoa mais jovem, frequentemente uma mulher, que recebe esses benefícios em troca de companhia, que pode ou não incluir intimidade física.

Tais relações são pautadas mais por interesses materiais do que por afeto genuíno, constituindo-se em um arranjo consensual entre adultos. Ocorre que a situação se torna relevante para o direito penal quando o/a Sugar Baby é um/uma adolescente.

Ao estabelecer esse tipo de relacionamento, Pedro comete o crime do inciso I do § 2º do artigo 218-B do Código Penal?
Sim. O relacionamento entre adolescente maior de 14 e menor de 18 anos (sugar baby) e um adulto (sugar daddy ou sugar mommy) que oferece vantagens econômicas configura o tipo penal previsto no art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal, porquanto essa relação se constrói a partir de promessas de benefícios econômicos diretos e indiretos, induzindo o menor à prática de conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso.

Dever de proteção integral da criança e do adolescente.
Contudo, ao mesmo tempo, exige uma atenção especial do Estado devido à sua condição peculiar de desenvolvimento, conforme preceitua o art. 6º do Lei n. 8.069/1990 do Estatuto da Criança e do Adolescente, necessitando de proteção integral, nos moldes do ECA. Essa proteção especial decorre da compreensão de que, embora os adolescentes possam manifestar sua sexualidade, eles ainda se encontram em uma fase de desenvolvimento que requer salvaguardas adicionais para evitar a exploração e o abuso.

A faixa etária entre 14 e 18 anos é um período crítico no desenvolvimento humano, marcado por intensas transformações físicas, emocionais e psicológicas. Os adolescentes estão em processo de formação de sua identidade e ainda não possuem maturidade plena para tomar decisões que envolvam aspectos complexos e sensíveis, como a sexualidade. A vulnerabilidade desses jovens é exacerbada por fatores como pressão social, falta de experiência e, muitas vezes, a influência de adultos que podem explorar essa imaturidade para fins lascivos.

Dever de proteção das crianças e adolescentes da manipulação por meio do poder econômico.
Outrossim, a intenção é prevenir que adultos usem de manipulação, poder econômico ou influência para envolver adolescentes em práticas sexuais. Ao tipificar a conduta de forma objetiva, a lei visa a desestimular comportamentos predatórios e garantir um ambiente mais seguro para o desenvolvimento dos jovens. A proteção jurídica se materializa na objetividade do tipo penal, que busca um desenvolvimento saudável e seguro para os menores.

A proteção da dignidade sexual dos menores entre 14 e 18 anos é um imperativo jurídico e moral em uma sociedade em que a sexualidade precoce está cada vez mais presente. A eficácia dessa proteção, no entanto, depende de um diálogo constante entre a lei e as mudanças sociais, bem como de uma educação sexual adequada e da aplicação rigorosa da legislação vigente. Assim, é possível garantir um desenvolvimento saudável e seguro para os jovens, preservando sua dignidade e integridade.

Relação Sugar daddy – Sugar baby.
Nesse contexto, a figura do sugar baby refere-se a um indivíduo mais jovem que mantém uma relação com uma pessoa mais velha e financeiramente abastada, o sugar daddy, em que a troca de benefícios é uma característica preponderante. Tais relações são pautadas mais por interesses materiais do que por afeto genuíno, constituindo-se em um arranjo consensual entre adultos.

Induzir adolescente maior de 14 anos e menor de 18 anos a praticar conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso mediante vantagens econômicas indiretas configura o tipo penal previsto no art. 218-B, § 2º, inciso I, do Código Penal.
Contudo, a tipificação penal deve ser analisada à luz do contexto específico de cada caso. No arranjo sugar baby e sugar daddy, a relação, ainda que envolva a troca de benefícios materiais, não se enquadra necessariamente nos elementos configuradores do crime de exploração sexual. A ausência de abuso e de vulnerabilidade afasta a tipicidade penal, quando se considera que ambas as partes são adultas e consentem com os termos do relacionamento.

No entanto, induzir adolescente maior de 14 anos e menor de 18 anos a praticar conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso mediante vantagens econômicas indiretas configura o tipo penal previsto no art. 218-B, § 2º, inciso I, do Código Penal. Tal prática, ao substituir as normas sociais afetivas por uma relação puramente mercantilista, degrada a relação interpessoal saudável entre as pessoas, prática esta vedada pelo legislador.

Destarte, a prática de induzir adolescentes, maior de 14 anos e menor de 18 anos, a relações sexuais mediante vantagens econômicas, na terminologia conhecida como sugar baby, fere profundamente os princípios de proteção à dignidade e ao desenvolvimento saudável dos jovens. A intervenção legislativa busca assegurar um ambiente de crescimento livre de exploração e coerção comercial, garantindo a tutela jurídica adequada conforme os ditames do art. 218-B, § 2º, inciso I, do Código Penal.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024 (info 825).

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