“Clipping de matérias jornalísticas”.
O termo “clipping de matérias jornalísticas” refere-se a um serviço ou prática comum em empresas, organizações e assessorias de imprensa, onde são coletadas, recortadas, organizadas e arquivadas matérias jornalísticas e colunas publicadas em jornais, revistas e outros meios de comunicação. Essas matérias normalmente estão relacionadas às atividades, interesses ou tópicos de interesse da empresa ou organização.

Serviço oferecido pela empresa.
A empresa demandada oferece dois tipos de serviços de clipping:
CLIPPING IMPRESSO
O Clipping impresso eletrônico apresenta as notícias da mídia impressa digitalizada, com monitoramento em jornais e revistas de grande importância de nível nacional, regional e internacional. As notícias são disponibilizadas diariamente a partir da 00h em um site desenvolvido especialmente a cada cliente, onde permite a consulta do seu clipping a qualquer momento.

O cliente também tem a opção de receber diariamente newsletters por e-mail, contendo os links necessários para realizar sua leitura, evitando assim os gargalos gerados pelo trânsito desnecessário de arquivos na web.

CLIPPING WEB
O Clipping Online é o resultado do serviço de monitoramento e gerenciamento de notícias em tempo real, disponibilizadas na internet, pelas agências de notícias nacionais e internacionais, bem como de sites de informação geral, setorial e especializada. Os serviços são executados por uma equipe de profissionais altamente especializados, que acessa os sites de interesse e monitora pessoalmente o conteúdo disponibilizado.

Como apoio, a equipe também utiliza um sistema robotizado, desenhado especialmente para captura de notícias na web, que varre automaticamente o conteúdo em todos os principais sites de notícias pré-definidos para a busca. O monitoramento é feito 24 horas por dia, 7 dias por semana.

Da ação proposta.
A sociedade empresária responsável pela edição dos jornais Folha de S. Paulo e Agora São Paulo, ajuizou ação com o intuito de impedir a requerida de utilizar matérias jornalísticas e colunas integrantes dessas publicações no serviço de clipping que produz e comercializa.

Foi pleiteado, além de condenação à abstenção de uso, que fossem imediatamente excluídos do banco de dados da recorrida a totalidade do conteúdo indevidamente utilizado, bem como indenização pelos danos materiais e morais e remuneração por eventual continuidade do uso.

Controvérsia: O “clipping de matérias jornalísticas” viola direitos autoriais?
A controvérsia está em saber se a atividade de elaboração e comercialização de clipping de matérias jornalísticas e colunas publicadas em jornais, sem autorização ou remuneração, viola direitos autorais protegidos pela Lei de Direitos Autorais, pertencendo, em consequência, exclusivamente aos respectivos autores ou titulares, o direito de utilização pública e aproveitamento econômico (arts. 28 e 29 da LDA).

O serviço de clipping comercializado não constitui “reprodução na imprensa diária ou periódica”: Inaplicabilidade do art. 46, I, “a”, da LDA.
Ainda que, prima facie, as obras jornalísticas em questão sejam tuteladas pelas normas protetivas de Direito Autoral, há de se atentar para a possibilidade de incidir à espécie alguma das limitações previstas nos inc. I, “a”, e VII do art. 46 da LDA.

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
I. a reprodução:
a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;
(…)
VII. a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;

No que concerne ao art. 46, I, “a”, da LDA, verifica-se que a regra em questão estabelece limitação ao direito do autor exclusivamente na hipótese de reprodução de notícia ou de artigo na imprensa diária ou periódica.

A atividade desenvolvida, no caso, todavia, não se afeiçoa à moldura fática exigida pela norma, uma vez que o serviço de clipping comercializado não constitui “reprodução na imprensa diária ou periódica”, mas sim, conforme descrição constante em seu próprio sítio na internet, monitoramento de mídia realizado de acordo com as especificações do cliente, o que resulta consolidação de dados e valores de notícias que são encaminhados ao contratante.

Não se tratando, portanto, de atividade que possa ser classificada como “reprodução na imprensa diária ou periódica”, como exige o art. 46, I, “a”, da, infere-se que tal norma não é apta a conferir licitude aos serviços prestados.

Inaplicabilidade do art. 46, VIII, da LDA.
Quanto ao art. 46, VIII, da LDA, importa considerar que, mesmo que se reconheça que a clipagem por ela elaborada possa ser enquadrada como “reprodução […] de pequenos trechos de obras preexistentes” (conforme preceitua o texto legal), há de se atentar para a necessidade de preenchimento dos requisitos estabelecidos na parte final da norma (“sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores”).

Teste dos três passos.
Trata-se do denominado “Teste dos Três Passos” (three step test), disciplinado originariamente na Convenção de Berna (art. 9.2) e no Acordo TRIPS (art. 13), segundo a qual a reprodução não autorizada de obras de terceiros é admitida nas seguintes hipóteses (requisitos cumulativos):
(I) em certos casos especiais;
(II) que não conflitem com a exploração comercial normal da obra; e
(III) que não prejudiquem injustificadamente os legítimos interesses do autor.

Segundo a doutrina, em razão do compromisso assumido pelo Brasil na condição de signatário da Convenção de Berna e do Acordo TRIPS, todas as limitações aos direitos patrimoniais dos titulares de direitos autorais deverão passar pelo crivo do “Teste dos Três Passos” antes de sua aplicação a um caso concreto.

A hipótese, contudo, não apresenta aptidão para preencher a totalidade dos requisitos do “Teste dos Três Passos”.
Em primeiro lugar porque a clipagem de notícias conflita com a “exploração comercial normal da obra” reproduzida, haja vista que o contratante do serviço (clientes da recorrida), possuindo acesso ao conteúdo de seu interesse por meio do clipping, encontra-se desestimulado a adquirir os jornais editados pela recorrente. Ou seja, a utilização das matérias jornalísticas, no particular, não pode ser considerada como juridicamente irrelevante para o titular dos direitos autorais.

Em segundo, porque, pertencendo exclusivamente ao respectivo titular o direito de “utilização econômica de escritos publicados pela imprensa diária ou periódica” (art. 36 da LDA), as reproduções de conteúdo, com incontroverso objetivo de lucro, constituem situações que ensejam prejuízo injustificado aos legítimos interesses econômicos da recorrente.

Art. 36. O direito de utilização econômica dos escritos publicados pela imprensa, diária ou periódica, com exceção dos assinados ou que apresentem sinal de reserva, pertence ao editor, salvo convenção em contrário.
Parágrafo único. A autorização para utilização econômica de artigos assinados, para publicação em diários e periódicos, não produz efeito além do prazo da periodicidade acrescido de vinte dias, a contar de sua publicação, findo o qual recobra o autor o seu direito.

O serviço de clipagem, em hipóteses como a presente, não se enquadra na moldura fática da norma do art. 10.1 da Convenção de Berna, pois as matérias jornalísticas são utilizadas como insumo do produto comercializado de clipping, e não como meras citações.

O serviço de clipping, consistente na elaboração e comercialização de matérias jornalísticas e colunas publicadas em jornais, sem autorização do titular do conteúdo editorial ou remuneração por seu uso, viola direitos autorais do titular da obra.
Diante disso, considerando-se que o serviço de clipping de notícias comercializado pela recorrida não satisfaz os requisitos cumulativos exigidos pelo “Teste dos Três Passos”, está caracterizada, no particular, violação ao direito fundamental da recorrente de utilização exclusiva das obras de sua titularidade (art. 5º, XXVII, da Constituição de 1988).
STJ. REsp 2.008.122-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 22/8/2023, DJe 28/8/2023 (info 785).

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