Caso concreto.
A Buser é uma plataforma que promove a intermediação entre grupos de viajantes e empresas de transporte por fretamento, oferecendo um modelo de “fretamento colaborativo” onde grupos de passageiros compartilham viagens de ônibus.

Fretamento colaborativo é o nome dado ao transporte ao fretamento intermediado por uma plataforma de tecnologia. Trata-se de algo semelhante ao que já era feito antes por agências de viagem, guias turísticos, escolas e eventos… Com a tecnologia da plataforma, a Buser facilitou essa relação, intermediando o contato entre passageiros e empresas de fretamento. Por atuar sob demanda, diminui os custos de operação e evita a ociosidade.

Portanto, no fretamento colaborativo não há venda de passagens, mas sim o rateio do veículo fretado entre os usuários interessados na viagem.

Ocorre que diversas ações judiciais passaram a ser propostas em face da Buser. Como exemplo, na ação ajuizada pela Fepasc, argumenta-se que o transporte rodoviário de passageiros é um serviço público que depende de autorização formal da administração pública, com observância da legislação e das normas das agências reguladoras.

Ao atuar fora desse sistema, a Buser fica com o bônus de transportar passageiros em linhas economicamente viáveis sem ter que arcar com ônus tributários e operacionais.

Além disso, a empresa não precisa garantir transporte em locais de pouco fluxo, respeitar frequência ou conceder gratuidades, como determina a lei.

Fretamento de circuito aberto X Fretamento de circuito fechado.
Fretamento de Circuito Fechado: No fretamento de circuito fechado, o grupo de passageiros que embarca no ponto de origem é o mesmo que retorna ao ponto de origem após a viagem.
Exemplo: Uma Igreja freta um ônibus para levar seus membros a um retiro. O ônibus sai da sede da Igreja com todos, os leva ao local do retiro, e depois os traz de volta.
Fretamento de Circuito Aberto: No fretamento de circuito aberto, os passageiros embarcam em pontos diferentes e podem desembarcar em locais diferentes ao longo do percurso. Esse modelo se assemelha mais ao transporte regular de passageiros, pois permite embarque e desembarque em diferentes locais.
Exemplo: Uma empresa freta um ônibus e disponibiliza a venda de passagens para o público em geral. Não necessariamente as mesmas pessoas retornam.

O que o STJ decidiu?
A Buser realiza fretamento de circuito aberto, algo vedado pela legislação.
O caso concreto envolve a prestação de serviços de fretamento em circuito aberto realizado por meio da utilização de plataforma eletrônica em que os passageiros adquirem viagens para destinos de seu interesse, normalmente em rotas consideradas lucrativas pelas empresas de transporte de passageiros em geral.

Sobre o tema, o Decreto n. 2.251/1998 define, em seu art. 3º, XI, o fretamento eventual ou turístico como o serviço que é “prestado à pessoa ou a um grupo de pessoas, em circuito fechado, com emissão de nota fiscal e lista de pessoas transportadas, por viagem, com prévia autorização ou licença da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT”.

Por outro lado, dispõe o § 1º do art. 36 do Decreto n. 2.251/1998 que, no transporte interestadual e internacional de passageiros, sob fretamento contínuo ou eventual/turístico, “não poderão ser praticadas vendas de passagens e emissões de passagens individuais, nem a captação ou o desembarque de passageiros no itinerário, vedadas, igualmente, a utilização de terminais rodoviários nos pontos extremos e no percurso da viagem, e o transporte de encomendas ou mercadorias que caracterizem a prática de comércio, nos veículos utilizados na respectiva prestação”.

Ou seja, a legislação exige que o serviço de fretamento, para ser autorizado, deve ser praticado somente em “circuito fechado” (as viagens de ida e de volta são realizadas com os mesmos passageiros), o que não é o caso de pelo menos grande parte dos serviços oferecidos pela referida empresa.

A empresa que deseja operar serviço de transporte regular deve cumprir requisitos mais rigorosos do que aqueles impostos a empresas que operam somente o fretamento.
Consoante destacado pela ANTT em sua manifestação, sobre o serviço de fretamento, excluindo-se essa característica, “iria haver uma descaracterização do serviço de fretamento, que passaria a se aproximar mais de um serviço regular, vez que um passageiro poderia entrar na plataforma, comprar a viagem de ida para a data e horário que o atendesse melhor e, na sequência, pesquisar a viagem de volta de seu interesse […]. Conforme prevê a Res. 4770/2015, em vigor, uma empresa que deseja operar serviço de transporte regular deve cumprir requisitos muito mais rigorosos que as empresas que operam somente o fretamento (…).”

A Buser não é mera intermediária.
Nesse sentido, é insustentável a tese da empresa de que atuaria apenas como intermediária, pois, de acordo com o recorte fático delineado pelo Tribunal de origem, o modelo por ela adotado necessariamente envolve operações conjuntas com empresas qualificadas como parceiras. Tanto é assim que ela própria anuncia e cobra individualmente passagens para viagens interestaduais, conforme relatório da ANTT.

O serviço oferecido pela plataforma de fretamento em circuito aberto implica, na realidade, a prestação irregular de serviço de transporte rodoviário de passageiros.
Dessa forma, o serviço oferecido pela plataforma de fretamento em circuito aberto implica, na realidade, a prestação irregular de serviço de transporte rodoviário de passageiros. Ou seja, de forma indireta, a plataforma atua como se fosse uma empresa de transporte regular de passageiros em quaisquer rotas interestaduais em que há demandas de viagens, ainda que de forma indireta (pois o serviço é executado por meio de empresas parceiras).

Trata-se de concorrência desleal.
Configurada, portanto, atuação em situação de concorrência desleal com as empresas que prestam regular serviço de transporte interestadual de passageiros.
STJ. REsp 2.093.778-PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 18/6/2024 (info 817).

Como fica a situação da Buser?
Com a decisão do Superior Tribunal de Justiça ratificando a proibição da operação da Buser em viagens interestaduais no Paraná, os três estados da região Sul seguem com restrição para a atuação da empresa neste modelo sem prévia autorização da ANTT.

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