Caso concreto adaptado.
Maria propôs ação em face da Fundação de Previdência Social, afirmando ter direito ao pagamento da complementação de sua aposentadoria.

No curso da ação, Maria obteve decisão liminar, determinando o pagamento da complementação. Ao fim da ação, entretanto, o pedido foi julgado improcedente, sendo a liminar cassada.

A Fundação de previdência Social poderá requerer de volta os valores pagos enquanto a liminar esteve vigente? Se sim, em qual prazo prescricional?
Sim. No prazo prescricional de 10 anos. É de 10 anos o prazo prescricional aplicável à pretensão de restituição de valores de benefícios previdenciários complementares recebidos por força de decisão liminar posteriormente revogada, tendo em vista não se tratar de hipótese de enriquecimento sem causa, de prescrição intercorrente ou de responsabilidade civil.

Qual o termo inicial do prazo prescricional?
A data do trânsito em julgado do provimento jurisdicional em que a confirma a revogação da decisão liminar.

Não se trata de hipótese de reparação civil, mas de simples restituição.
O fato jurídico que dá origem ao dever de restituir é o ato jurídico processual, praticado pelo juiz, de julgar improcedentes os pedidos, confirmando a revogação da liminar. Ao julgar improcedentes os pedidos, confirmando a revogação da liminar, nasce para aquele que foi beneficiado pela tutela antecipada o dever de restituir aquilo que recebeu, pois a tutela provisória é, por sua própria natureza, precária. Não se trata, portanto, propriamente, de responsabilidade civil, mas de simples restituição.

A distinção é sútil: uma coisa é o dever de restituir os valores despendidos para cumprir a tutela antecipada deferida; outra, é o dever de indenizar os danos causados pelo deferimento da tutela. Em síntese, indenizam-se os danos causados pelo deferimento da tutela antecipada quando se observa, na hipótese concreta, que a simples restituição do que se recebeu não é suficiente para o restabelecimento do status quo ante. Nessa hipótese, ao lado da restituição, haverá indenização.

Não se trata de hipótese de enriquecimento sem causa.
O que se verifica é que, antes do pagamento da complementação de aposentadoria por efeito de decisão liminar, existe um contrato de previdência privada celebrado. Desse modo, os pagamentos excedentes encontram-se inseridos no contexto da relação jurídica previdenciária existente entre as partes, que é fruto de um contrato que lhe serviu de fundamento. Muito embora a decisão que deferiu a tutela de urgência possa ser encarada como causa imediata dos referidos pagamentos, é imperioso observar que, a rigor, a verdadeira causa, isto é, a causa mediata do recebimento da complementação de aposentadoria é o próprio contrato de previdência privada entabulado entre recorrente e recorrida, motivo pelo qual não há que se falar, na espécie, em enriquecimento sem causa.

Com efeito, se não existisse o referido contrato de previdência complementar, não haveria como se deferir a tutela de urgência cuja revogação ora se discute, motivo pelo qual não incide na espécie o prazo prescricional trienal previsto no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, mas, sim, o prazo prescricional geral de dez anos previsto no art. 205 do mesmo Diploma legal.

Inaplicabilidade de outros prazos.
Também não são aplicáveis ao caso os prazos previstos no parágrafo único do art. 103 da Lei n. 8.213/1991, no art. 75 da Lei Complementar n. 109/2001 e nas Súmulas 291 e 427 do Superior Tribunal de Justiça, que referem-se às pretensões dos beneficiários em face da entidade de previdência para cobrar valores que entendem devidos em virtude, diretamente, da relação jurídica previdenciária estabelecida entre as partes.

Não há referência alguma a possíveis pretensões titularizadas pela entidade previdenciária em face do beneficiário na específica hipótese de revogação de decisão liminar outrora deferida. A pretensão do autor, deduzida na inicial, é eficácia do contrato de previdência complementar. É com base no contrato que o autor veicula sua pretensão na exordial. Por outro lado, a pretensão de ressarcimento do réu é eficácia da revogação da tutela de urgência outrora deferida. São pretensões distintas, titularizadas por sujeitos diversos e que representam a eficácia de fatos jurídicos igualmente distintos. Não há aqui nenhuma simetria, motivo pelo qual, rogando as mais respeitosas vênias, não há que se falar em prescrição intercorrente.

Em matéria de prescrição, a interpretação deve ser restritiva.
Não se pode olvidar, ademais, que, em matéria de prescrição, a interpretação há de ser restritiva, tendo em vista se tratar do encobrimento da eficácia da pretensão pelo decurso do tempo, representando verdadeira restrição à esfera jurídica dos sujeitos de direito. Há evidente prejuízo à segurança jurídica ao se interpretar elasticamente as normas atinentes à prescrição com base em princípios jurídicos, como o da simetria.

Na ausência de prazo específico previsto em lei, é aplicável o prazo prescricional geral de dez anos disposto no art. 205 do Código Civil.
Em síntese, tendo em vista não se tratar de hipótese de enriquecimento sem causa, de prescrição intercorrente ou de responsabilidade civil, incide, na ausência de prazo específico previsto em lei, o prazo prescricional geral de dez anos disposto no art. 205 do Código Civil.
STJ. REsp 1.939.455-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por maioria, julgado em 26/4/2023 (info 772).

Teoria da actio nata.
Pela teoria da actio nata, os prazos prescricionais se iniciariam no exato momento do surgimento da pretensão. De fato, somente a partir do instante em que o titular do direito pode exigir a sua satisfação é que se revela lógico imputar-lhe eventual inércia em ver satisfeito o seu interesse.

A jurisprudência desta Corte Superior, passou a admitir que, em determinadas hipóteses, o início dos prazos prescricionais deveria ocorrer a partir da ciência do nascimento da pretensão por seu titular, no que ficou conhecido como o viés subjetivo da teoria da actio nata.

Na hipótese dos autos, em que se discute o prazo prescricional da pretensão restitutória fruto da revogação de tutela provisória outrora deferida, importa consignar que o termo inicial do prazo prescricional é, em regra, a data em que o credor tem conhecimento da pretensão que lhe compete e da pessoa do responsável, aplicando-se, portanto, o viés subjetivo da teoria da actio nata.

Nesse caso, a pretensão só surge com o trânsito em julgado da decisão.
Desse modo, é forçoso concluir que, na específica hipótese de revogação de decisão liminar, o termo a quo do prazo prescricional é a data do trânsito em julgado do provimento jurisdicional em que se confirma a revogação da liminar, pois esse é o momento em que o credor toma conhecimento de seu direito à restituição, pois não mais será possível a reversão do aresto que revogou a decisão precária.

É imprescindível aguardar-se o trânsito em julgado, pois, se a tutela provisória concedida ao autor for revogada, mas a pretensão autoral for, ao final, julgada procedente, nada haverá que ser restituído, uma vez que aquilo que foi pago a título precário revelou-se, ao final, realmente devido. Em síntese, se nada deve ser restituído, sequer seria necessário discutir acerca da prescrição da pretensão restitutória.
STJ. REsp 1.939.455-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por maioria, julgado em 26/4/2023 (info 772).

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