Caso concreto.
Os acionistas minoritários da Empresa X propuseram ação pleiteando a condenação dos administradores a indenizar a companhia pelos prejuízos decorrentes de venda de imóvel em montante substancialmente inferior ao seu efetivo potencial econômico.

Na véspera da assembleia, o sócio administrador e sua esposa transferiram todas as suas ações a uma pessoa jurídica (holding familiar), que participou da aprovação operação. Houve, portanto, violação da regra prevista no art. 115, § 1º, da Lei n. 6.404/1976, seguindo a qual nem o administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular podem votar nas deliberações da assembleia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador.

Lei nº 6.404/1976 – Lei das Sociedades Anônimas.
Art. 115, § 1º O acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.

Apesar da ausência de pedido de desconstituição da assembleia que autorizou a venda do imóvel, o juiz de ofício reconheceu a nulidade e procedeu a anulação.

O juiz agiu corretamente?
Não. O vício de voto, na hipótese de acionista votar nas deliberações de assembleia-geral de sociedade anônima relativa à aprovação de suas próprias contas como administrador, conduz a sanção de anulabilidade (e não de nulidade), sendo necessária a prévia desconstituição da assembleia para que se autorize a responsabilização do sócio administrador.

Considerando que o regime especial de invalidades das deliberações assembleares tem por referência fundamental o interesse violado, é possível inferir que a hipótese em questão se trata, em verdade, de anulabilidade da deliberação.

No caso, a fraude está caracterizada pela proximidade entre a constituição da holding familiar e a votação.
O sócio administrador transferiu a totalidade de sua participação acionária às vésperas da assembleia para sociedade empresária da qual, juntamente com sua cônjuge, era detentor de 100% (cem por cento) do capital social, e que votou de maneira determinante para a aprovação das contas.

A personalidade jurídica da sociedade empresária tem o efeito de lhe conferir autonomia e independência em relação aos seus sócios e seu patrimônio. Contudo, o contexto fático demonstra não ter existido as necessárias independência e isenção na apreciação das contas do administrador por intermédio de holding familiar.

Hipótese em que o fato relevante para a configuração da fraude ao comando legal reside muito mais na proximidade entre a data da transferência da participação acionária e a assembleia de aprovação das contas do que na data da criação da sociedade empresária para quem as quotas foram transferidas. A sociedade existia há várias décadas, mas a transferência das ações deu-se em ocasião vizinha à data da assembleia. Portanto, o elemento temporal, de significativa importância para a configuração da fraude, aponta no sentido de que a transferência foi realizada com a finalidade de possibilitar a participação do próprio administrador no conclave.

Como se trata de anulabilidade (e não de nulidade), não seria possível o reconhecimento de ofício.
Sendo reservada ao vício de voto a sanção de anulabilidade, não poderia ter sido reconhecida de ofício, tal como o fez o Tribunal de origem, o qual afastou também o prazo decadencial para sua decretação. Exige-se, de acordo com a jurisprudência do STJ, a prévia desconstituição da assembleia, nos termos do art. 134, § 3º, da LSA.

O dispositivo de lei exonera de responsabilidade os administradores da companhia, se suas demonstrações financeiras e contas forem aprovadas sem ressalvas. Isso significa que a assembleia confere um quitus aos administradores ao apreciar a regularidade de sua gestão, que, por constituir uma presunção juris tantum de legitimidade, exige sua desconstituição para tornar possível a responsabilização.
STJ. REsp 2.095.475-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 9/4/2024 (info 808).

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