Conceitos Necessários.
Alienação Fiduciária: é um tipo de garantia que envolve a transferência da posse de um bem móvel ou imóvel do devedor (fiduciante) para o credor (fiduciário), para garantir o cumprimento de uma obrigação.
Após a quitação do saldo, o fiduciante adquire a propriedade plena do bem.
Por outro lado, em caso de inadimplência, haverá a consolidação da propriedade em nome do fiduciário.
Direitos Aquisitivos derivados da Aquisição de Imóvel Alienado Fiduciariamente: Enquanto não há a quitação, o fiduciante não possui a propriedade do bem, mas tão somente possui direitos aquiritivos derivados do contrato de alienação fiduciária. Tais direitos aquisitivos possuem valor patrimonial, podendo, inclusive, serem penhorados.
Exemplo Didático.
Maria propôs uma execução de título executivo extrajudicial em face de João. No curso da execução, Maria só encontrou um bem apto a ser penhorado: os direitos aquisitivos derivados de alienação fiduciária em garantia de um imóvel adquirido por João, mas ainda não quitado.
Ocorre que João também atrasou a parcela do financiamento do imóvel, levando a instituição financeira a dar início ao processo de consolidação da propriedade fiduciária, com o consequente leilão do imóvel.
No cenário descrito, a penhora realizada por Maria sobre os direitos aquisitivos de João permanece válida após a consolidação da propriedade do imóvel em favor do banco?
Não. Os direitos aquisitivos derivados da aquisição do imóvel alienado fiduciariamente (art. 835, XII, do CPC) desaparecem com a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, ante o inadimplemento do devedor fiduciante.
Qual será a solução possível para Maria?
Após o leilão do imóvel, caso o valor adquirido seja superior a dívida, o excesso será devido a João. Portanto, caberá a Maria buscar a penhora destes valores.
Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia em saber se a consolidação da propriedade pelo credor fiduciário extingue o direito do devedor fiduciante à mencionada aquisição.
No caso, em observância ao que dispõe o art. 835, XII, do CPC, a penhora se deu sobre os direitos aquisitivos derivados da aquisição do imóvel alienado fiduciariamente.
Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
(…)
XII. direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;
Uma vez consolidada a propriedade em favor do credor fiduciária, não subsistem os direitos aquisitivos do devedor fiduciante.
Todavia, uma vez executada a garantia e consolidada a propriedade em favor do credor fiduciário, não mais subsistem aqueles direitos aquisitivos, pois a situação equivale ao perecimento ou desaparecimento da coisa submetida ao gravame, que não mais pode subsistir. Isso porque a penhora é ato de apreensão e depósito de um bem, que passa a responder pelo débito.
Logo, se essa afetação não mais se faz possível, porque a propriedade do bem legalmente mudou de mãos pelo inadimplemento da compra e venda com garantia fiduciária, não mais se pode prosseguir na sua alienação judicial.
A penhora em favor do exequente não tem o condão impedir a consolidação da propriedade.
A penhora em favor do credor exequente não tem força para impedir a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, consoante o art. 27 da a Lei n. 9.514/1997. A solução então passa pela substituição da penhora, medida que é permitida pelo Código de Processo Civil (arts. 847 a 849), mediante sua transferência para outros bens (art. 850) ou até nova ou segunda penhora (art. 851).
Restará a Maria buscar a penhora do eventual saldo decorrente da alienação do imóvel.
Portanto, resta apenas a substituição do bem penhorado, com lavratura de novo termo, consoante dispõe o art. 849 do Código de Processo Civil no saldo que eventualmente restar do produto da venda pelo fiduciante. A subsistência do gravame apenas servirá como mero complicador na futura transferência ao adquirente do bem em leilão, dificultando a prática a sua formalização.
STJ. REsp 1.835.431-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/3/2024, DJe 21/3/2024 (info 805).