Exemplo Didático.
Em janeiro de 2016, a Prefeitura de Bacurau homologou um concurso público que previa 100 vagas de enfermeiro. João ficou na 105ª posição, fora do número de vagas oferecidas. Ocorre que 10 candidatos convocados deixaram de assumir.

Em 1º de dezembro de 2021, ele decide processar a Prefeitura, reivindicando seu direito à nomeação.

Em tese, João passaria a ter direito subjetivo a nomeação?
Sim. Consoante nova tese firmada no IRDR nº 901-51/2016, a expectativa de direito do candidato aprovado fora das vagas a serem preenchidas no concurso público se convola em direito subjetivo à nomeação, quando passe a figurar dentro do número de vagas em decorrência de desistência, inaptidão, reclassificação ou ausência de candidato melhor classificado.

Qual o prazo prescricional para a propositura da ação?
O prazo de prescrição quinquenal estabelecido pelo Decreto Federal 20.910/1932 deve ser observado.

Como a ação foi proposta em 1º de dezembro de 2021, já decorreram mais de 5 anos, de tal forma que a pretensão já estava prescrita.

Voltando ao caso concreto…
Ocorre que em virtude da pandemia de COVID-19, foi editada a Lei nº 14.010/2020, que suspendeu os prazos prescricionais até desde a entrada em vigor da lei até o dia 30.10.2020.

O advogado de João, então, afirmou que não houve prescrição tendo em vista que a Lei nº 14.010/2020 suspendeu tal prazo prescricional.

O advogado de João tem razão? A Lei nº 14.010/2020 terá aplicabilidade no caso concreto?
Não. A lei nº 14.010/2020 trata exclusivamente de relações privadas.

É bastante claro, portanto, que a Lei n. 14.010/2020 estabeleceu um regime jurídico transitório de regulação de relações privadas, o que torna absolutamente impertinente a sua aplicabilidade no caso concreto, que trata de relação entre Administração Pública e administrado, na especificidade da executora do concurso público e o candidato.

Com efeito, não parece razoável uma interpretação que considere que a vontade legislativa expressada no texto legal (“voluntas legis”) seja distinta da vontade legislativa supostamente implícita (“voluntas legislatoris”) e que se deva, então, utilizar de método interpretativo que estenda a aplicação da lei a situações claramente não abrangidas por ela. Nesse sentido, verifica-se que todos os preceitos normativos da Lei n. 14.010/2020 trataram meramente de situações relacionadas ao direito privado, como a resolução, resilição e revisão contratual, os condomínios edilícios, as relações de consumo ou as relações de direito de família e sucessões, de forma que não há no corpo legal nada que possibilite ao intérprete criar situação que descambe dos limites do texto.

Dessa forma, inaplicável a Lei n. 14.010/2020 às relações jurídicas de direito público que tratem de pretensão decorrente de concurso público, aplicando-se o prazo do Decreto Federal 20.910/1932 para a pretensão de nomeação deduzida por candidato aprovado em cadastro de reserva.
STJ. REsp 2.134.160-AP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024, DJe 17/5/2024 (info 812).

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