Contexto da Controvérsia.
A questão surgiu a partir da tentativa de um Estado-membro de estornar créditos de ICMS tomados por uma empresa que utiliza energia elétrica no seu processo produtivo. O foco da discussão estava no fato de que parte dos gases produzidos no processo industrial da empresa (gases industriais e medicinais como oxigênio, nitrogênio e argônio) é liberada na atmosfera, pois não atende aos padrões de qualidade necessários para a comercialização. Esses gases são chamados de “gases ventados”.
O Estado argumentava que, como esses gases não eram comercializados, a energia elétrica utilizada na sua produção não poderia gerar direito ao crédito de ICMS, pois não resultava diretamente na obtenção de um produto final vendido ao consumidor.
O que o STJ decidiu?
Os “gases ventados” constituem perdas inerentes a qualquer processo produtivo e, ainda que não comercializados, não afastam o direito ao crédito de ICMS, visto que a energia elétrica foi consumida no processo de industrialização, nos termos do art. 33, II, b, da Lei Complementar n. 87/1996 (Lei Kandir).
Fundamentação da Decisão do STJ.
O STJ, ao decidir o caso, analisou os dispositivos da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) que regulam o direito ao crédito de ICMS. O principal argumento utilizado pelo tribunal foi:
Princípio da Não Cumulatividade (art. 20 da LC 87/1996).
O ICMS é um imposto não cumulativo, ou seja, o valor pago na aquisição de insumos (como a energia elétrica) pode ser creditado para compensação com o ICMS devido na saída de produtos acabados.
O § 1º do artigo 20 menciona que o creditamento é permitido desde que a aquisição esteja ligada à atividade econômica da empresa.
Especificidade do Crédito de Energia Elétrica (art. 33, II, b, da LC 87/1996).
A norma permite o crédito de ICMS proveniente da energia elétrica utilizada no processo de industrialização. Não há exigência legal de que toda a matéria-prima ou insumo consumido na produção resulte em produtos efetivamente comercializados.
“Gases Ventados” como Resíduo Industrial.
O STJ considerou que esses gases fazem parte do processo produtivo normal, sendo um resíduo inevitável da produção de gases industriais. O fato de não serem comercializados não significa que não fazem parte da industrialização, pois foram gerados dentro do processo produtivo.
Precedentes sobre Créditos de Insumos Essenciais.
Deve prevalecer o posicionamento da Primeira Seção do STJ segundo o qual é “cabível o creditamento referente à aquisição de materiais (produtos intermediários) empregados no processo produtivo, inclusive os consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa – essencialidade em relação à atividade-fim” (EAREsp n. 1.775.781/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 11/10/2023, DJe de 1/12/2023).
Conclusão…
Em resumo, as empresas que necessitam descartar parte da produção como resíduo ou que geram subprodutos não comercializáveis podem manter o crédito de ICMS vinculado a esses processos, desde que os insumos utilizados sejam essenciais para a industrialização.
Diante disso, conclui-se que os “gases ventados” pela empresa recorrida constituem refugo – perdas inerentes a qualquer processo produtivo – e, ainda que não comercializados, não afastam o direito ao crédito de ICMS visto que a energia elétrica foi consumida no processo de industrialização, tal como prescreve o supramencionado art. 33, II, b, da Lei Complementar n. 87/1996.
STJ. REsp 1.854.143-MG, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 10/12/2024, DJEN 17/12/2024 (info 838).