Caso concreto adaptado.
A ABC Comércio é uma empresa do ramo varejista que, além de vender eletrodomésticos, faz também o intermédio da venda de seguros da seguradora Assegurou Seguros S.A. Portanto, no caso concreto, a ABC Comércios é a representante de seguros e a Assegurou Seguros S.A. é a seguradora.

Ao vender uma apólice de seguro, a ABC Comércio recebe do consumidor o respectivo valor, chamado de “prêmio”.

Em 01/01/2020, a ABC Comércio entrou em recuperação judicial. Na oportunidade, a empresa tinha em sua posse R$ 2.000.000,00 relativos a prêmios não repassados à Assegurou Seguros S.A.

Tais valores poderão servir a recuperanda no giro de seus negócios ou para pagar credores?
Não.

Controvérsia.
O presente caso discute a possibilidade de submeter os prêmios de seguro – pagos à representante de seguros e não repassados à seguradora – aos efeitos da recuperação judicial.

O pagamento do prêmio ao representante de seguros considera-se feito à sociedade seguradora
Nos termos da Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) n. 431/2021, que disciplina as operações das sociedades seguradoras por meio de seus representantes de seguros, “Os representantes de seguros são responsáveis pelo repasse dos valores de prêmios por eles arrecadados às sociedades seguradoras, nos termos estabelecidos no contrato de representação firmado entre as partes”. O mesmo diploma dispõe que “O pagamento do prêmio ao representante de seguros considera-se feito à sociedade seguradora”. No mesmo sentido, dispunha o art. 7º, §§ 1ºe 2º, da Resolução CNSP n. 297/2013.

Natureza do contrato realizado entre a empresa seguradora e o representante de seguros.
O contrato travado entre a empresa seguradora e o representante de seguros tem natureza peculiar, na medida em que permite que o bem fungível – quantia recolhida do consumidor a título de prêmio de seguro – esteja em posse da representante, até que seu repasse seja realizado.

Em um caso concreto análogo, a propriedade dos bens fungíveis depositados não havia sido transferida para a empresa em recuperação judicial.
Em situação análoga, a Segunda Seção desta Corte concluiu que o inadimplemento da obrigação de devolver bens fungíveis, no caso de contrato de depósito regular em armazém, não ensejava a constituição de crédito, para os fins da legislação falimentar. A razão de decidir deste julgado foi o fato de que a propriedade dos bens fungíveis depositados não havia sido transferida para a empresa em recuperação judicial.

Na hipótese da representação securitária, como visto na regulação transcrita acima, a propriedade dos prêmios não é do representante, pois se considera que o pagamento é feito à própria empresa seguradora. Desde o momento da emissão dos bilhetes de seguro e recebimento do prêmio pela representante, em nome da seguradora, o contrato se aperfeiçoa e a seguradora passa a ser responsável pelo risco que lhe é transferido.

Assim, a intermediação não torna a representante proprietária dos valores momentaneamente sob a sua posse, assim como não é responsável pela cobertura do risco. Conclui-se, pois, de forma similar aos produtos agropecuários depositados em armazém, aos créditos consignados e ao dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, que os prêmios de seguro não são de propriedade da empresa recuperanda.

Logo, os valores que deveriam ser repassados à seguradora não estão abrangidos pela recuperação judicial, deles não se podendo servir a recuperanda no giro de seus negócios ou para pagar credores.
STJ. REsp 2.029.240-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 23/5/2023 (info 779).

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