Exemplo didático.
José adquiriu um veículo por meio de alienação fiduciária mas depois de um tempo parou de pagar as parcelas. O Banco X, então, expediu notificação extrajudicial constituindo José em mora e, algum tempo depois, propôs ação objetivando a busca e apreensão do bem com a consolidação da propriedade fiduciária.
José, entretanto, alegou a prescrição da dívida, o que foi reconhecido pelo juízo, nos termos do art. 206, §5º, I, do CC.
Código Civil.
Art. 206. Prescreve:
§ 5º Em cinco anos:
I. a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
O Tribunal de Justiça, entretanto, reformou a sentença por entender que a impossibilidade de cobrar os valores em virtude da prescrição não importa na impossibilidade de requerer a busca e apreensão dos bens, já que o prazo prescricional de tal pretensão é de 10 anos, nos termos do art. 205, do Código Civil.
Código Civil.
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
Trecho do julgado:
O prazo de cinco anos se destina, exclusivamente, a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular. Não abarca, também e igualmente, a busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, à míngua de qualquer previsão, expressa, aliás, da lei. Se a norma, no caso, não alude, categoricamente, há de se buscar outra norma, dentro do próprio Código Civil.
O prazo prescricional, no caso, é de dez anos, a teor do art. 205, do Código Civil.
Inconformado, José interpõe recurso especial suscitando violação dos arts. 206, § 5º, I, 1.367 e 1.436, I, do CC/2002. Argumenta que, ante a “extinção” do crédito principal pela prescrição, igualmente restaria extinto o vínculo de garantia acessório, consistente na propriedade fiduciária outorgada ao credor.
Assiste razão a José?
Não. Prescrita a pretensão de cobrança de dívida civil, existindo, todavia, no ordenamento outro instrumento jurídico-processual com equivalente resultado, cujo exercício não tenha sido atingido pelo fenômeno prescricional, descabe subtrair do credor o direito à busca pela satisfação de seu crédito.
O exame sobre a ocorrência do fenômeno prescricional deve ser realizado de modo estanque, à luz dos pedidos formulados na petição inicial, e não se contamina pelo objetivo último do autor da demanda – no caso, a recuperação do crédito inadimplido.
Súmula 299-STJ.
O melhor exemplo para ilustrar a situação é o da Súmula 299-STJ, que permite o ajuizamento de ação monitória fundada em cheque prescrito.
Em tal hipótese, conquanto prescrita a pretensão que autorizava promover a execução do título extrajudicial, perdendo a cártula os seus atributos cambiários, contudo subsistindo a obrigação, tem o credor a possibilidade de ajuizar demanda distinta, cuja finalidade não é outra senão o cumprimento da obrigação pecuniária representada no documento.
Portanto, se prescrita a pretensão de cobrança de dívida civil, todavia existindo no ordenamento outro instrumento jurídico-processual com equivalente resultado, cujo exercício não tenha sido atingido pelo fenômeno prescricional, descabe subtrair do credor o direito à busca pela satisfação de seu crédito, por qualquer outro meio, sob pena de estender os efeitos da prescrição para o próprio direito subjetivo.
Possibilidade de busca e apreensão do bem que está na posse ilegítima de outrem.
Nessa última hipótese, assim o faz na qualidade de proprietário, exercendo uma das prerrogativas que lhe outorga o art. 1.228 da lei civil, qual seja “o direito de reavê-la (a coisa) do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Com efeito, ocorrido o inadimplemento no âmbito de contrato garantido por alienação fiduciária, a posse transforma-se em injusta, o que autoriza a propositura da busca e apreensão.
Inaplicável, dessarte, a regra do art. 206, § 5º, I, do CC/2002, visto não tratar, este caso, de demanda que visa à “cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular”.
Diversamente do que ocorre no campo tributário, na esfera civil a prescrição não fulmina a obrigação, mas somente a pretensão.
Diversamente do que ocorre no campo tributário (CTN, art. 156, V), na esfera civil a prescrição nem sequer implica extinção da obrigação – não constitui, efetivamente, qualquer das hipóteses previstas no Título I, Livro I, da Parte Especial do CC/2002. Somente a pretensão é fulminada (CC/2002, art. 189), subsistindo a obrigação.
Conquanto instituída em caráter acessório, a garantia real não se esvaiu. O objeto principal do contrato, no caso, é a obrigação pecuniária, e não a pretensão de cobrança, esta sim extinta pelo fluxo do prazo prescricional.
STJ. REsp 1.503.485-CE, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 4/6/2024 (info 815).