Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia acerca do controle de legalidade de Processo Administrativo Disciplinar, notadamente para aferir se, diante da incontroversa inimputabilidade da Impetrante reconhecida em âmbito criminal, viável a subsistência de penalidade disciplinar pelos mesmos fatos.

Exemplo didático.
André, servidor público, em surto psicótico destruiu diversos itens do patrimônio da repartição pública em que trabalhava. Em sede de ação penal pelo crime de dano qualificado, André recebeu sentença de absolvição imprópria, sendo-lhe aplicada medida de segurança. Na sentença, constatou-se enfermidade psíquica, de forma que verificou-se que o acusado era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, porquanto causa excludente da culpa em sentido lato. Ocorre que também há um Processo Administrativo Disciplinar em face de André.

André poderá ser condenado em PAD pelo mesmo fato?
Não. Quando o juízo criminal reconhece a inimputabilidade do agente fundada no art. 26 do Código Penal e profere sentença absolutória imprópria, com imposição de medida de segurança, descabe a fixação de sanção administrativa, impondo-se à Administração Pública, ao revés, o dever de avaliar a eventual concessão de licença para tratamento de saúde ou de aposentadoria por invalidez.

O controle jurisdicional dos PADs se restringe a análise da legalidade.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o controle jurisdicional de processos administrativos disciplinares se restringe ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sendo vedada qualquer incursão no mérito administrativo.

Relativa independência das instâncias civil, administrativa e penal.
Os artigos 66 do Código de Processo Penal, 935 do Código Civil, e 125 e 126 da Lei n. 8.112/1990, consagram o princípio da relativa independência entre as instâncias civil, administrativa e penal, possibilitando apurações distintas no âmbito de cada esfera de responsabilidade, ressalvada, como regra, a prevalência da jurisdição criminal quanto à afirmação categórica acerca da inocorrência da conduta ou quando peremptoriamente afastada a contribuição do agente para sua prática.

O reconhecimento da enfermidade psíquica que torna o agente inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato reconhecido no âmbito criminal repercute no cível.
Além das hipóteses expressamente previstas em lei, à luz do princípio constitucional da culpabilidade, impõe-se observar a comunicação entre as órbitas penal e administrativa quando o juízo criminal reconhece, de maneira contundente, a inimputabilidade do agente fundada no art. 26 do Código Penal e profere sentença absolutória imprópria, com imposição de medida de segurança, especificamente em situações nas quais, constatada enfermidade psíquica, o acusado era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, porquanto causa excludente da culpa em sentido lato.

A certificação da inimputabilidade exige acentuada incursão fática, prévia instauração de incidente de insanidade mental (art. 149 do CPP) e detida análise de laudos médicos para avaliar a higidez psíquica do acusado, de modo que a conclusão positiva acerca da carência de discernimento cognitivo encerra juízo de certeza impassível de ulterior revisão ou desconsideração na via administrativa. Nessas circunstâncias, a despeito da ausência de disposição legal expressa determinando a repercussão da sentença penal absolutória imprópria sobre a decisão administrativa, admitir a subsistência da responsabilidade disciplinar quando rechaçada a punição criminal em razão de causa biopsicológica excludente de culpabilidade traduziria evidente incoerência.

No caso concreto, é inviável a aplicação de sanção administrativa.
Constatada a prática de falta disciplinar quando o agente estava em surto psicótico e absolutamente incapaz de entender o caráter ilícito do fato cometido, descabe a fixação de sanção administrativa, impondo-se à Administração Pública, ao revés, o dever de avaliar a eventual concessão de licença para tratamento de saúde ou de aposentadoria por invalidez, sendo inviável o apenamento de pessoa mentalmente enferma à época da conduta imputada.
STJ. Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 1/10/2024, DJe 4/10/2024 (info 828).

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