Caso concreto adaptado.
Tício foi denunciado pelo homicídio de Caio. Segundo narrado pela acusação, o homicídio se deu em virtude da disputa pela desocupação de um imóvel. A defesa de Tício, entretanto, nega seu interesse na desocupação do imóvel em questão, bem como a autoria do fato criminoso.
No júri, o juiz togado trouxe o seguinte quesito: “Tício era o principal interessado na desocupação do imóvel?”
O quesito em questão é válido?
Não. Com efeito, não é demasiado reforçar que nem o caráter do agente, nem os motivos do crime devem ser considerados para fins de formulação de quesitos do júri, que devem ater-se unicamente às questões fáticas, sob pena de ofensa ao princípio da presunção de inocência e do devido processo legal.
E sobre o que devem ser os quesitos?
Vejamos o que diz o art. 483 do CPP:
Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:
I. a materialidade do fato;
II. a autoria ou participação;
III. se o acusado deve ser absolvido;
IV. se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
V. se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.
Quesitos complexos, com má redação ou com formulação deficiente, geram a nulidade do julgamento do Tribunal do Júri, por violação ao art. 482, parágrafo único, do CPP.
O problema surge quando o juiz, ao invés de formular perguntas, isto é, propor os quesitos, passa a declarar ou afirmar algo, dando às proposições um caráter argumentativo e extrapolando as balizas de sua função no Tribunal do júri delimitadas no CPP.
Desse modo, não há como negar que a atuação do juiz togado pode afetar a autonomia e independência dos jurados, o que também pode ocorrer por ocasião da redação do questionário, quando as frases, explícita ou implicitamente, revelam-se tendenciosas ou em desconformidade com o princípio do devido processo legal. STJ. AREsp 1.883.043-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por maioria, julgado em 15/03/2022 (info 730).