Caso concreto.
No caso concreto, o cantor Wesley Safadão e uma servidora pública e ex-produtora musical do artista seriam imunizados com a vacina do laboratório AstraZeneca, mas atuaram com o propósito de receber outro imunizante, oriundo da Janssen, que foi desviado do estoque e neles aplicado. Já a esposa do cantor, Thyane, sequer estava agendada, “furando a fila” para receber o imunizante.

Segundo o Ministério Público, a finalidade de escolher o imunizante que seria ministrado, era de garantir o acesso aos Estados Unidos, onde o artista faria shows.

O TJ-CE entendeu pela existência de crime.
O TJ-CE considerou que as condutas de submeter-se à vacinação contra covid-19 em local diverso do agendado, com aplicação de imunizante diverso do reservado e sem a realização de agendamento subsumir-se-iam, em tese, aos tipos penais previstos nos arts. 312 e 317, § 2º, do Código Penal.

Essas condutas não se amoldam aos tipos em questão, em especial porque ausentes os elementos objetivos (verbos nucleares) contidos no art. 312 do Código Penal.
Não houve apropriação, tampouco desvio de doses de vacina contra a covid-19, já que destinadas à população em geral, grupo em que se enquadram os pacientes, uma vez que tinham o direito de ser vacinados (embora em local ou momento diverso). A saúde é um direito de todos, direito social que é assegurado pelo art. 6º da Carta Constitucional.

Também não há corrupção passiva, mesmo em sua modalidade privilegiada.
De igual forma, é atípica a conduta de corrupção passiva na forma do § 2º (modalidade privilegiada) do art. 317 do Código Penal, porquanto, na modalidade privilegiada do tipo em questão, criminaliza-se, de maneira mais branda, a conduta do agente que pratica ato de ofício, com violação de dever funcional a pedido de alguém que exerce algum tipo de influência sobre sua atuação, sem solicitação ou recebimento de vantagem ilícita.

A pandemia de covid-19 gerou uma situação de pânico e angústia, levando o país a uma crise sanitária sem precedentes.
O desespero tomou conta de muitos, provocando a prática de condutas moralmente reprováveis, noticiadas diariamente pela imprensa, de tentativa de burla à ordem estabelecida pelos planos nacionais, estaduais ou municipais.

As condutas de desrespeito às regras de vacinação, embora moralmente reprováveis, não caracterizam ilícito penal, em especial em face do princípio da legalidade (inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal), que estabelece que somente pode haver responsabilização criminal por condutas previamente criminalizadas, adequada e claramente descritas pelo legislador.

Não há crime por falta de previsão legal específica.
Assim, por falta de previsão legal, são atípicas a conduta de submeter-se à vacinação contra covid-19 em local diverso do agendado e/ou com aplicação de imunizante diverso do reservado e/ou de submeter-se à vacinação contra covid-19 sem a realização de agendamento. STJ. AgRg no RHC 160.947-CE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022, DJe 30/09/2022 (info 752).

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