Exemplo didático.
José Silva era policial rodoviário federal. Durante uma auditoria interna, foi descoberto que José, de forma indevida, autorizou a comutação de penas em processos administrativos disciplinares de seus subordinados, usurpando competência exclusiva do Ministro da Justiça, além de deixar de enviar cópias de sindicâncias e processos administrativos, com indícios de prática de ilícitos penais, ao Ministério Público Federal.
A comissão processante do PAD, ao analisar o caso, enquadrou as ações de José nas seguintes infrações:
Art. 117, VI da Lei 8.112/90: Cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado.
Art. 132, IV da Lei 8.112/90: Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: IV – improbidade administrativa;
Art. 11, II da Lei 8.429/92: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício. (Redação antiga do dispositivo)
Foi oportunizada a defesa de José. Ao final, entretanto, foi decidido que a capitulação das infrações deveria ser ajustada para refletir mais precisamente os atos cometidos por José. Assim, as condutas foram reclassificadas como:
Art. 117, XV da Lei 8.112/90: Proceder de forma desidiosa.
Art. 132, IV e XIII da Lei 8.112/90: Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: IV – improbidade administrativa; XIII – transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117 (no caso, desídia).
Art. 11, I da Lei 8.429/92: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência. (Redação antiga do dispositivo)
Há nulidade na reclassificação das condutas?
Não. A alteração da capitulação legal da conduta do servidor, por si só, não enseja a nulidade do processo administrativo disciplinar.
O processado se defende dos fatos e não da capitulação jurídica.
É firme o entendimento no âmbito desta Corte, no sentido de que o indiciado se defende dos fatos imputados e não da sua capitulação jurídica, de forma que a posterior modificação do enquadramento legal da conduta não tem o condão de ensejar a nulidade do processo administrativo disciplinar.
Não foram imputadas novas infrações. Apenas foram conferidas novas capitulações jurídicas às condutas.
No caso, a partir das premissas fáticas fixadas pelo Tribunal de origem, observa-se não ter sido imputada ao indiciado, novas infrações funcionais, mas apenas fora conferida nova capitulação jurídica às condutas irregulares a ele atribuídas, com base no acervo probatório já apurado e constante do PAD, o que é plenamente possível, sem implicar em ofensa ao art. 168 da Lei 8.112/1990 e aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Lei nº 8.112/1990 – Agentes Públicos.
Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos.
Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.
STJ. AgInt no REsp 1702094 GO, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, julgado em 29/4/2024, DJe de 7/5/2024.