A Tese decorre de uma autocomposição entre os entes federativos.
Em autocomposição no STF, os entes federativos acordaram sobre as diretrizes a serem observadas nas ações judiciais de fornecimento de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em especial sobre a uniformização da nomenclatura dos medicamentos incorporados ou não incorporados na política pública do SUS, a competência jurisdicional, a responsabilidade pelo custeio dos medicamentos e a implementação de uma plataforma nacional com informações a respeito das demandas de medicamentos.
O que são medicamentos não incorporados e medicamentos incorporados?
Medicamentos incorporados são aqueles que constam na Política Pública do SUS. Por outro lado, definiu-se, para fins de análise administrativa e judicial, que medicamentos não incorporados são:
(i) os que não constam na política pública do SUS;
(ii) os previstos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para outras finalidades;
(iii) aqueles sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); e
(iv) os denominados “off label” sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico.
Competências nas ações que envolvam medicamentos incorporados.
Nas ações que envolvam o fornecimento de medicamento incorporado, o ente responsável por adquirir e fornecer o medicamento de acordo com as regras do SUS deverá estar sempre no polo passivo da ação.
É possível que a ação seja proposta contra mais de um ente (exemplo: Estado e Município). Entretanto, o ente responsável sempre deverá estar no polo passivo.
E quanto aos medicamentos não incorporados?
A competência para julgamento será da Justiça Federal quando o valor do tratamento anual específico do fármaco ou do princípio ativo for igual ou superior ao valor de 210 salários mínimos. Quando a competência for da Justiça Federal, o responsável pelo custeio será a União.
Nesse contexto, compete à Justiça Federal o julgamento das demandas relacionadas a medicamentos não incorporados na política pública do SUS, mas com registro na ANVISA, quando o valor do tratamento anual específico do fármaco ou do princípio ativo for igual ou superior ao valor de 210 salários mínimos.
Portanto, se o medicamento tiver custo de tratamento anual inferior a 210 salários mínimos, a competência para julgar o pedido será na Justiça Estadual e o custeio também será realizado pelo Estado ou DF.
Para verificação do valor do medicamento, deve-se observar o Preço Máximo de Venda do Governo (PMVG – situado na alíquota zero), divulgado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED – Lei 10.742/2003).
Existindo mais de um medicamento do mesmo princípio ativo e não sendo solicitado um fármaco específico, considera-se, para efeito de competência, aquele listado no menor valor na lista CMED.
No caso de inexistir valor fixado na lista CMED, considera-se o valor do tratamento anual do medicamento solicitado na demanda, podendo o magistrado, em caso de impugnação pela parte requerida, solicitar auxílio à CMED. Caso não haja tempo hábil, entretanto, o juiz analisará de acordo com o orçamento trazido pela parte autora.
Por fim, no caso de cumulação de pedidos, para fins de competência, será considerado apenas o valor do(s) medicamento(s) não incorporado(s) que deverá(ão) ser somado(s), independentemente da existência de cumulação alternativa de outros pedidos envolvendo obrigação de fazer, pagar ou de entregar coisa certa.
A competência também será da Justiça Federal quando tratar de medicamento sem registro na Anvisa.
Ademais, conforme jurisprudência desta Corte, mantém-se a competência da Justiça Federal em relação às ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa, as quais deverão ser propostas, necessariamente, em face da União, observadas as especificidades definidas na tese fixada para o Tema 500 da repercussão geral.
Quanto ao custeio…
As ações de fornecimento de medicamentos incorporados ou não incorporados, que se inserirem na competência da Justiça Federal, serão custeadas integralmente pela União, cabendo, em caso de haver condenação supletiva dos Estados e do Distrito Federal, o ressarcimento integral pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES), na situação de ocorrer redirecionamento pela impossibilidade de cumprimento por aquela, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias.
Análise judicial do ato administrativo de indeferimento de medicamento pelo SUS.
Sob pena de nulidade do ato jurisdicional (art. 489, § 1º, V e VI, c/c art. 927, III, § 1º, ambos do CPC), o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo da não incorporação pela Conitec e da negativa de fornecimento na via administrativa, tal como acordado entre os Entes Federativos em autocomposição no Supremo Tribunal Federal.
Ademais, no exercício do controle de legalidade, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS.
Por isso, a análise jurisdicional do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento não incorporado restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado, à luz do controle de legalidade e da teoria dos motivos determinantes, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvada a cognição do ato administrativo discricionário, o qual se vincula à existência, à veracidade e à legitimidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos.
Ônus do autor no caso de medicamento não incorporado.
Tratando-se de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS.
CUIDADO! Não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra respaldo em evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente:
Ensaios clínicos randomizados: São estudos experimentais considerados o “padrão ouro” para avaliar a eficácia de intervenções médicas. Neles, os participantes são aleatoriamente divididos em grupos de intervenção e controle. O grupo de intervenção recebe o tratamento em estudo, enquanto o grupo controle recebe um placebo ou tratamento padrão.
Revisão sistemática: É uma síntese rigorosa e abrangente de estudos primários sobre uma questão específica. Segue um protocolo predefinido para identificar, selecionar e avaliar criticamente estudos relevantes através de análise qualitativa.
ou
Meta-análise: É uma extensão quantitativa de uma revisão sistemática. Combina estatisticamente os resultados de múltiplos estudos para produzir uma estimativa geral do efeito. Aumenta o poder estatístico e a precisão da estimativa do efeito do tratamento.
Plataforma nacional que centralize todas as informações relativas às demandas administrativas e judiciais de acesso a fármaco.
Por fim, em governança colaborativa com o Poder Judiciário, os entes federativos implementarão uma plataforma nacional que centralize todas as informações relativas às demandas administrativas e judiciais de acesso a fármaco. Essa plataforma deverá ser de fácil consulta e informação ao cidadão, e conterá dados básicos que possibilitem a análise e eventual resolução administrativa, sem prejuízo de posterior controle judicial.
A plataforma nacional visa a orientar todos os atores ligados ao sistema público de saúde, possibilitando a eficiência da análise pelo Poder Público e compartilhamento de informações com o Poder Judiciário, mediante a criação de fluxos de atendimento diferenciado, a depender de a solicitação estar ou não incluída na política pública de assistência farmacêutica do SUS e de acordo com os fluxos administrativos aprovados pelos próprios Entes Federativos em autocomposição.
A plataforma, entre outras medidas, deverá identificar quem é o responsável pelo custeio e fornecimento administrativo entre os Entes Federativos, com base nas responsabilidades e fluxos definidos em autocomposição entre todos os Entes Federativos, além de possibilitar o monitoramento dos pacientes beneficiários de decisões judiciais, com permissão de consulta virtual dos dados centralizados nacionalmente, pela simples consulta pelo CPF, nome de medicamento, CID, entre outros, com a observância da Lei Geral de Proteção da Dados e demais legislações quanto ao tratamento de dados pessoais sensíveis.
O profissional que prescrever o medicamento não incorporado será responsável pelo contínuo acompanhamento clínico do paciente.
O serviço de saúde cujo profissional prescrever medicamento não incorporado ao SUS deverá assumir a responsabilidade contínua pelo acompanhamento clínico do paciente, apresentando, periodicamente, relatório atualizado do estado clínico do paciente, com informações detalhadas sobre o progresso do tratamento, incluindo melhorias, estabilizações ou deteriorações no estado de saúde do paciente, assim como qualquer mudança relevante no plano terapêutico.
Fixação de tese.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.234 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e homologou, em parte, os termos dos 3 (três) acordos, com as condicionantes e adaptações sintetizadas nas teses anteriormente citadas.
Modulação de efeitos.
Os efeitos da presente decisão foram modulados tão somente quanto ao deslocamento de competência (item 1 do acordo), aplicando-se apenas aos feitos ajuizados após a publicação do julgamento de mérito no DJe, de modo a afastar sua incidência aos processos em tramitação até o referido marco, sem possibilidade de suscitação de conflito negativo de competência a respeito dos processos anteriores.
Nova Súmula Vinculante.
Além disso, o Tribunal determinou a transformação das teses em enunciado sintetizado de súmula vinculante com a seguinte redação:
#Súmula Vinculante 60: O pedido e a análise administrativos de fármacos na rede pública de saúde, a judicialização do caso, bem ainda seus desdobramentos (administrativos e jurisdicionais), devem observar os termos dos 3 (três) acordos interfederativos (e seus fluxos) homologados pelo Supremo Tribunal Federal, em governança judicial colaborativa, no tema 1.234 da sistemática da repercussão geral (RE 1.366.243)
Por que editar uma Súmula Vinculante? Caso ocorresse algum descumprimento do Tema de Repercussão Geral 1.234/STF, seria necessário o esgotamento dos recursos para só então ser possível propor uma Reclamação ao STF. Já no caso de Súmula Vinculante, não há tal necessidade.
Portanto, ao sintetizar o enunciado da tese em uma Súmula Vinculante, qualquer descumprimento do que foi decidido poderá chegar diretamente ao STF através de uma Reclamação.
IMPORTANTE! Possibilidade de “copatrocínio” das DPEs com as DPUs.
A decisão do STF sobre ações de saúde para obtenção de medicamentos é crucial para concursos de Defensoria Pública. Isso se deve ao fato de que a maioria dessas ações, especialmente em cidades menores, são iniciadas pela Defensoria Pública Estadual (DPE).
Considere um cenário onde a DPE inicia uma ação em um tribunal estadual local, mas posteriormente descobre-se que a responsabilidade é federal (por exemplo, um medicamento não padronizado com custo anual acima de 210 salários mínimos). Nesse caso, a União deve ser incluída como ré e o processo transferido para a Justiça Federal. Isso normalmente significaria que o Defensor Público Estadual deixaria de atuar no caso, pois a DPE geralmente não opera na Justiça Federal – essa é função da Defensoria Pública da União (DPU).
No entanto, muitas localidades não possuem uma unidade da DPU, ou a DPU pode não conseguir atender o caso devido a critérios de elegibilidade mais estritos que os da DPE (como requisitos de renda mais rigorosos). Isso poderia deixar o usuário da DPE sem representação legal na Justiça Federal, já que estamos falando de pessoas que não podem pagar por advogados particulares.
Para resolver esse problema, o STF decidiu que, seja pela falta de estrutura da DPU na região ou por seus critérios mais rigorosos, a DPE poderá continuar atuando no processo mesmo após a transferência para a Justiça Federal.
É importante notar que esta provisão será válida por um ano a partir da publicação da ata de julgamento do tema 1234. O STF denominou esta colaboração entre DPU e DPE de “copatrocínio”. Este é um ponto que provavelmente será abordado em provas de concurso.
STF. RE 1.366.243/SC, relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 13.09.2024 (info 1150).