Exemplo didático.
Mévio foi absolvido pelo júri. O Ministério Público, entretanto, entendeu que a decisão do júri foi manifestamente contrária a prova dos autos, motivo pelo qual interpôs apelação com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP.
Em tese, o recurso pode ser cabível?
Sim. É compatível com a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri (CF/1988, art. 5º, XXXVIII, “c”) a possibilidade de o Tribunal de Justiça determinar a realização de novo júri em sede de recurso de apelação deduzida contra decisão absolutória dos jurados — amparada no quesito genérico (CPP/1941, art. 483, III) —, considerada manifestamente contrária à prova dos autos (CPP/1941, art. 593, III, “d”).
O princípio da soberania dos veredictos não impede a interposição de recurso contra a decisão absolutória dos jurados sob a alegação de ser manifestamente contrária à prova dos autos.
O cabimento da apelação obedece ao princípio da paridade de armas, que decorre do contraditório e da ampla defesa (CF/1988, art. 5º, LV), e o seu acolhimento tem como única consequência a determinação para se realizar um novo júri, na medida em que a reanálise do caso continua sendo de competência do próprio corpo de jurados.
Possibilidade de absolvição por clemência.
O quesito genérico absolutório introduzido pela Lei nº 11.689/2008 (CPP/1941, art. 483, III) dá margem para o reconhecimento da possibilidade de absolvição por critérios extralegais.
Não será determinado um novo júri caso a absolvição se dê por clemência e não contrarie precedentes vinculantes do STF.
Nesse contexto, conforme compreensão alcançada por esta Corte, o Tribunal de segunda instância não determinará a realização de novo júri caso a absolvição se dê por motivo de clemência (com base no quesito genérico absolutório) e essa decisão dos jurados decorra do acolhimento de tese apresentada pela defesa, cujo conteúdo deve estar registrado em ata de julgamento e ser compatível com o texto constitucional, com os precedentes vinculantes do STF e com as circunstâncias de fato veiculadas nos autos. Sobre o tema, vide julgado sobre legítima defesa da honra:
Legítima defesa da honra.
Foi conferida interpretação conforme a Constituição ao art. 483, III e § 2º, do Código de Processo Penal, para entender que não fere a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri o provimento de apelação que anule a absolvição fundada em quesito genérico, quando, de algum modo, possa implicar a repristinação da odiosa tese da “legítima defesa da honra”.
STF. ADPF 779/DF, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento finalizado em 1º.8.2023 (info 1105).
Conclusão…
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 1.087 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário para determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que analise a apelação e delibere acerca da necessidade, ou não, de submissão do recorrido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, nos termos da tese anteriormente mencionada.
STF. ARE 1.225.185/MG, relator Ministro Gilmar Mendes, redator do acórdão Ministro Edson Fachin, julgamento finalizado em 03.10.2024 (info 1153).