Exemplo didático.
A Secretaria Estadual de Educação do Estado X contratou, após regular processo licitatório, a empresa “Limpa Tudo Serviços LTDA” para prestação de serviços de limpeza em suas escolas públicas. O contrato, assinado em janeiro de 2022, previa a disponibilização de 100 funcionários para realizar a limpeza de 20 unidades escolares.
Maria Silva, contratada pela Limpa Tudo Serviços LTDA, trabalhou como auxiliar de limpeza na Escola Estadual Professor João Santos durante 18 meses. A partir de agosto de 2023, a empresa começou a atrasar os salários dos funcionários e deixou de pagar o vale-transporte e vale-alimentação.
Maria ajuizou reclamação trabalhista contra a empresa e contra o Estado, pedindo a condenação subsidiária do ente público.
Em regra, o Estado terá obrigação de pagar as verbas trabalhistas a Maria?
Não. O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento
#Tese de Repercussão Geral – Tema 246-STF: O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 (atual art. 121, §1º, da Lei nº 14.133/2021).
Quando o Estado terá responsabilidade de arcar com as verbas trabalhistas devidas?
Quando houver comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ela invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público.
A responsabilização subsidiária do poder público não é automática, pois depende da comprovação de culpa in eligendo ou in vigilando, que decorre da obrigação da Administração Pública de fiscalizar os contratos administrativos que são presumidamente válidos, legais e legítimos e, consequentemente, somente podem ser contestados se houver idônea comprovação de irregularidade.
De quem é o ônus da prova de demonstrar que houve comportamento negligente da Administração?
Do trabalhador. Cabe ao autor da ação — para fins de definição da responsabilidade subsidiária da Administração Pública — o ônus da prova sobre eventual conduta culposa na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas devidas aos trabalhadores terceirizados pela empresa contratada.
Nesse contexto, é de quem aciona o Poder Judiciário o ônus de comprovar a efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ele invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público na fiscalização dos contratos.
Quando haverá comportamento negligente?
O comportamento negligente estará comprovado quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal e fundamentada de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas.
Condutas que devem ser adotadas pela Administração Pública.
Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá:
exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974; e
adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior.
Vejamos quais são essas medidas:
Lei nº 14.133/2021:
Art. 121, § 3º Nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, para assegurar o cumprimento de obrigações trabalhistas pelo contratado, a Administração, mediante disposição em edital ou em contrato, poderá, entre outras medidas:
I. exigir caução, fiança bancária ou contratação de seguro-garantia com cobertura para verbas rescisórias inadimplidas;
II. condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas relativas ao contrato;
III. efetuar o depósito de valores em conta vinculada;
IV. em caso de inadimplemento, efetuar diretamente o pagamento das verbas trabalhistas, que serão deduzidas do pagamento devido ao contratado;
V. estabelecer que os valores destinados a férias, a décimo terceiro salário, a ausências legais e a verbas rescisórias dos empregados do contratado que participarem da execução dos serviços contratados serão pagos pelo contratante ao contratado somente na ocorrência do fato gerador.
Responsabilidade de Administração Pública de manter o ambiente de trabalho salubre.
Constitui responsabilidade da Administração Pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei nº 6.019/1974.
Votos vencidos.
Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Dias Toffoli, que entendem que é dever do tomador do serviço provar que fiscalizou, e Flávio Dino e Cristiano Zanin, que defendem caber ao juiz da ação determinar, caso a caso, quem terá o ônus da prova.
Cuidado! A ação tratou apenas de verbas trabalhistas. Não de verbas previdenciárias.
O presente julgamento não trata de nenhum aspecto das contribuições previdenciárias; somente os encargos trabalhistas são dele objeto. Conforme o art. 121, 3º, da Lei nº 14.133/2021, há clara distinção dos regimes jurídicos: a) da responsabilidade solidária (encargos previdenciários); e b) da responsabilidade subsidiária (encargos trabalhistas).
Tese fixada.
Foi fixada a seguinte tese:
#Tese de Repercussão Geral – Tema 1.118-STF:
1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ela invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público.
2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, enviada pelo trabalhador, sindicato, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo.
3. Constitui responsabilidade da Administração Pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei nº 6.019/1974.
4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá:
(i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974; e
(ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior.
STF. RE 1.298.647/SP, relator Ministro Nunes Marques, julgamento finalizado em 13.02.2025 (info 1165).