Caso concreto.
Durante uma operação militar conduzida pela Força de Pacificação do Exército no Complexo da Maré, um indivíduo morreu devido a um disparo de arma de fogo durante uma troca de tiros. A origem do disparo não pôde ser conclusivamente identificada, o que trouxe complexidade ao caso.
A União poderá ser responsabilizada mesmo sem ser possível descobrir a origem do tiro?
Sim. A perícia inconclusiva sobre a origem de disparo fatal durante operações policiais e militares não é suficiente, por si só, para afastar a responsabilidade civil do Estado, por constituir elemento indiciário.
A responsabilidade civil do estado por ferimento ou morte de civil em ação policial adota a teoria do risco administrativo, não a teoria do risco integral.
Em operações de segurança pública, à luz da teoria do risco administrativo, será objetiva a responsabilidade civil do Estado quando não for possível afastá-la pelo conjunto probatório, recaindo sobre ele o ônus de comprovar possíveis causas de exclusão.
Nesse contexto, o Estado apenas será responsabilizado se o dano for consequência de ação ou omissão do Poder Público, visto que o texto constitucional não adota a teoria do risco integral. Essa relação de causalidade é imprescindível, de modo que, para que a responsabilização seja afastada, o Poder Público deve demonstrar, nos casos concretos, que os seus agentes não deram causa à morte ou ao ferimento.
A exclusão da responsabilidade se dá nos casos de: força maior, caso fortuito, fato exclusivo da vítima ou de terceiro.
Conforme jurisprudência desta Corte, a exclusão da responsabilidade estatal depende da comprovação de alguma causa interruptiva do nexo de causalidade: força maior, caso fortuito, fato exclusivo da vítima ou de terceiro.
No caso, não há nenhuma causa interruptiva do nexo de causalidade.
Não. No caso em foco, não é factível a exclusão da responsabilidade estatal por força maior ou caso fortuito. Isso porque, além de previsíveis os riscos da operação militar em local habitado, era possível, pelo planejamento da ação da Força de Pacificação do Exército, evitar o desencadeamento do intenso tiroteio no Complexo da Maré.
Para além disso, a União não comprovou a ocorrência de fato exclusivo de terceiro, isto é, que pessoa sem ligação com a operação militar tenha causado o dano à vítima. Ademais, não é possível excluir a responsabilidade estatal por fato exclusivo da vítima, dado que essa foi atingida por projétil enquanto estava em casa.
Caso concreto.
Na espécie, a vítima foi atingida durante uma operação da Força de Pacificação do Exército. Ao realizarem operação em zona habitada e, a partir dela, desencadearem intensa troca de tiros com os confrontados, os militares descumpriram o dever de diligência, circunstância que evidencia a presença do nexo de causalidade, sendo irrelevante, na hipótese, o fato de a perícia ter sido inconclusiva em relação à origem do disparo do projétil que atingiu a vítima. Por outro lado, como a polícia militar do Estado do Rio de Janeiro não participou da intervenção, a condenação, no caso concreto, é cabível somente à União.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 1.237 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário, para condenar somente a União à indenização postulada, e fixou a tese anteriormente citada.
STF. ARE 1.385.315/RJ, relator Ministro Edson Fachin, julgamento finalizado em 11.04.2024 (info 1132).