Tese do Século e Tema nº 69/STF.
A “tese do século” refere-se a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Até então, o ICMS era incluído na base de cálculo desses tributos federais, o que aumentava a carga tributária sobre as empresas. Tal tese prevaleceu no STF, que fixou o seguinte tema de repercussão geral:

#Tese de Repercussão Geral – Tema 69/STF: O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS.

Em 13/5/2021, entretanto, houve modulação de efeitos nos seguintes termos:

O Tribunal, por maioria, acolheu, em parte, os embargos de declaração, para modular os efeitos do julgado cuja produção haverá de se dar após 15.3.2017 – data em que julgado o RE nº 574.706 e fixada a tese com repercussão geral “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS” -, ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até a data da sessão em que proferido o julgamento, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio.

Isso implica que somente a partir de 16/03/2017 a decisão do STF sobre a “tese do século” passou a ter efeito geral e vinculante para os órgãos do Judiciário. Antes dessa data, os contribuintes não tinham o direito de contestar ou solicitar a devolução dos valores pagos de PIS e Cofins sobre o ICMS retroativamente.

A exceção a essa regra são os contribuintes que propuseram ação referente à “tese do século” até 15/03/2017. Para esses, foi garantido o direito de recuperar os valores pagos indevidamente em qualquer período passado, respeitando o prazo de prescrição.

Mas como ficam aqueles contribuintes que ajuizaram ações da tese do século após 15.3.2017, e que já tinham decisão favorável transitada em julgado antes do julgamento dos embargos de declaração (13/5/2021)? Será possível o Estado propor ação rescisória?
Sim. Nos termos do art. 535, § 8º, do CPC, é admissível o ajuizamento de ação rescisória para adequar julgado realizado antes de 13/5/2021 à modulação de efeitos estabelecida no Tema 69/STF – Repercussão Geral.

Interpretação do art. 535, §§ 5º e 8º do Código de Processo Civil de 2015
A solução da controvérsia deve se iniciar e se pautar pela interpretação do art. 535, §§ 5º e 8º do Código de Processo Civil de 2015, o qual estabelece uma hipótese específica para a ação rescisória, admitindo seu cabimento em casos nos quais há uma decisão transitada em julgado que acabe contrariando a posição vinculante que venha a prevalecer posteriormente no STF.

Código de Processo Civil.
Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir: (…)
III. inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; (…)
§5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. (…)
§8º Se a decisão referida no §5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

O dispositivo tem o objetivo de permitir a revisão de decisões que, embora tenham seguido entendimento consolidado à época, ficaram em descompasso com novas orientações fixadas pelo Supremo no âmbito do controle de constitucionalidade (concentrado ou difuso). O § 5º do art. 535 assegura que as decisões judiciais estejam alinhadas aos entendimentos atuais e vinculantes do STF, evitando o conflito entre coisas julgadas e a autoridade das decisões da Suprema Corte.

Observe-se que o artigo em discussão não limita o cabimento da rescisória aos casos em que o STF declara a inconstitucionalidade de determinada norma, mas abrange espectro mais amplo. Tanto é que no Tema 360 do STF restou decidido que são consideradas decisões com vícios de inconstitucionalidade qualificados:
(a) a sentença exequenda fundada em norma reconhecidamente inconstitucional, seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com sentido inconstitucionais;
(b) a sentença exequenda que tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional.

No caso, a decisão proferida contraria a modulação de efeitos.
Na espécie, a decisão que se pretende rescindir está revestida com o supracitado vício (de inconstitucionalidade qualificada), na medida em que não está em harmonia com parte dos efeitos produzidos pelo Tema 69/STF, especificamente no tocante à modulação operada (posteriormente) pelo próprio Supremo.

Inaplicabilidade da Súmula 343-STF e do Tema 136/STF.
Ainda, são inaplicáveis a Súmula 343 e o Tema 136, ambos do STF, uma vez que disciplinam as hipóteses de cabimento da rescisória com fundamento (equiparado) no art. 966, V, do CPC, e não com amparo no art. 535, §§5º e 8º, do CPC, o qual é, inclusive, posterior às referidas orientações.

#Súmula 343-STF: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

#Tese de Repercussão Geral – Tema 136/STF: Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.

O contexto no qual o STF firmou tais entendimentos esteve associado à tradicional hipótese de cabimento da rescisória por ofensa à “literal disposição de lei” (antigo 485, V, do CPC/1973, atualmente “violar manifestamente norma jurídica”), e não à hipótese de rescisão por coisa julgada inconstitucional.

Tese fixada pelo STJ.
O STJ fixou a seguinte tese:

#Tese Repetitiva – Tema 1.245-STJ: Nos termos do art. 535, § 8º, do CPC, é admissível o ajuizamento de ação rescisória para adequar julgado realizado antes de 13/5/2021 à modulação de efeitos estabelecida no Tema 69/STF – Repercussão Geral.
STJ. REsp 2.054.759-RS, REsp 2.066.696-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Rel. para o acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por maioria, julgado em 11/9/2024 (info 827).

STJ. REsp 2.054.759-RS, REsp 2.066.696-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Rel. para o acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por maioria, julgado em 11/9/2024 (info 827).

O STF fixou tese de repercussão geral no mesmo sentido.
Vejamos a tese fixada:

#Tese de Repercussão Geral – Tema 1.338-STF: Cabe ação rescisória para adequação de julgado à modulação temporal dos efeitos da tese de repercussão geral fixada no julgamento do RE 574.706 (Tema 69/RG).
STF. RE 1.489.562/PE, relator Ministro Presidente, julgamento finalizado no Plenário Virtual em 18.10.2024 (info 1155).

Síntese dos argumentos.
É cabível — em razão da existência de precedente qualificado com caráter cogente e da ausência de alteração na orientação jurisprudencial à época do julgamento — ação rescisória para adequar decisão judicial transitada em julgado à modulação temporal dos efeitos da tese de repercussão geral fixada no julgamento do RE 574.706 ED (Tema 69 RG).

Conforme a jurisprudência desta Corte, o precedente firmado no julgamento do tema 69 da repercussão geral possui caráter cogente, inclusive quanto à adequada compreensão de seu alcance temporal. Nesse contexto, a autoridade da decisão do STF pode ser imposta ainda que haja título executivo judicial anterior, desde que se proceda ao ajuizamento de ação rescisória com o fim de adequar o julgado à modulação dos efeitos.

Ademais, no caso, a definição da modulação temporal nos embargos de declaração não configura alteração de orientação, pois foi a primeira vez que o STF se manifestou especificamente sobre o tema. Dessa forma, não houve qualquer alinhamento do acórdão rescindendo com precedente do STF à época da decisão, com posterior superação, a ensejar óbice ao cabimento de ação rescisória.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada (Tema 1.338 da repercussão geral), bem como (i) reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria para negar provimento ao recurso; e (ii) fixou a tese anteriormente citada.
STF. RE 1.489.562/PE, relator Ministro Presidente, julgamento finalizado no Plenário Virtual em 18.10.2024 (info 1155).

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