Controvérsia.
A decisão em questão trata da incidência do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, especialmente quando tais transferências ocorrem entre estados diferentes. Para compreender o tema em sua totalidade, é necessário analisar os precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que culminaram na definição da matéria, incluindo a ADC 49, o Tema 1.009 de Repercussão Geral e, posteriormente, a modulação dos efeitos através do Tema 1.367 de Repercussão Geral.
A ADC 49/RN e o Tema 1.009/STF.
A controvérsia envolvia a cobrança do ICMS sobre a movimentação de mercadorias entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo contribuinte, mas localizados em unidades federativas distintas. A tese tradicionalmente defendida por diversos estados era a de que, para fins fiscais, cada estabelecimento é considerado uma entidade autônoma para efeitos de tributação, nos termos do art. 11, § 3º, II da Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996).
Esse entendimento levava à cobrança do ICMS na mera transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, como se houvesse uma operação de venda para uma entidade distinta. Contudo, essa interpretação foi gradualmente desafiada sob o argumento de que o ICMS, por sua própria natureza, incide apenas sobre operações que envolvam efetiva circulação jurídica de mercadorias, ou seja, situações em que há transferência de titularidade e ato mercantil.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADC 49/RN, declarou a inconstitucionalidade do art. 11, § 3º, II da Lei Kandir, entendendo que a transferência meramente física de bens entre estabelecimentos do mesmo titular não caracteriza “circulação de mercadoria” para fins de incidência do ICMS. Assim, estabelecimentos da mesma pessoa jurídica não podem ser considerados contribuintes distintos para essa finalidade.
Inconstitucionalidade do art. 11, §3º, II da Lei Kandir.
A circulação de mercadorias apta a desencadear a tributação pelo ICMS demanda a existência de negócio jurídico a envolver a transferência da propriedade da mercadoria. A transferência não pode ser apenas física e econômica, também deve ser jurídica. STF. ADC 49/RN, relator Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 16.4.2021 (info 1013).
→ Dispositivos declarados inconstitucionais na ADI 49 – Info 1013-STF:
Art. 11, §3º, II da Lei Kandir.
O trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” do art. 12, I da Lei Kandir.
Art. 13, § 4º, da Lei Kandir.
#Tese de Repercussão Geral – Tema 1.009: Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia.
Modulação dos efeitos e o Tema 1.367/STF.
Após declarar a inconstitucionalidade dessas disposições, o STF decidiu modular os efeitos da decisão para preservar a segurança jurídica e o equilíbrio do pacto federativo, estabelecendo que a nova interpretação sobre a não incidência de ICMS somente teria efeitos a partir do exercício financeiro de 2024. Essa modulação ficou consolidada no Tema 1.367 de Repercussão Geral, com a seguinte tese:
#Tese de Repercussão Geral – Tema 1.367-STF: A não incidência de ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, estabelecida no Tema 1.099/RG e na ADC 49, tem efeitos a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito da ADC 49 (29.04.2021).
Isso significa que, até 2024, o ICMS continuava sendo exigível nas transferências interestaduais entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, salvo nos casos onde já houvesse discussão pendente (processo administrativo ou judicial) até a data de 29 de abril de 2021, data de publicação da ata do julgamento da ADC 49.
A modulação de efeitos objetivou preservar a segurança jurídica na tributação e o equilíbrio do federalismo fiscal, razão pela qual o termo inicial do afastamento da cobrança deve ser rigorosamente observado pelas instâncias ordinárias.
Caso concreto.
Na espécie, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo afastou a incidência do ICMS em operações realizadas antes de 2024 e sem processo pendente até o marco temporal acima referido, motivo pela qual violou a autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal em jurisdição constitucional (CF/1988, art 102, § 2º).
Conclusão…
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada (Tema 1.367 da repercussão geral), bem como:
(i) reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria para dar provimento ao recurso extraordinário e, por conseguinte, reformar o acórdão recorrido; e
(ii) fixou a tese anteriormente citada.
STF. RE 1.490.708/SP, relator Ministro Presidente, julgamento finalizado no Plenário Virtual em 03.02.2025 (info 1164).