Contexto da Decisão.
O caso trata da alíquota do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), que é um tributo incidente sobre o transporte marítimo de cargas no Brasil. Em 2022, o governo editou o Decreto nº 11.321/2022, que previa a redução pela metade das alíquotas do AFRMM, com efeitos a partir de 1º de janeiro de 2023. No entanto, logo no início de 2023, o governo revogou esse decreto por meio do Decreto nº 11.374/2023, restaurando as alíquotas originais.
Diante dessa revogação, contribuintes questionaram judicialmente a validade desse aumento, alegando que ele configuraria uma majoração tributária, o que exigiria respeito aos princípios constitucionais da anterioridade anual e nonagesimal previstos no art. 150, III, “c” da Constituição Federal e no art. 195, § 6º.
O que o STF decidiu?
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o caso no ARE 1.527.985/ES, entendeu que não houve majoração de tributo, pelas seguintes razões:
1. O Decreto nº 11.321/2022 não chegou a produzir efeitos jurídicos e econômicos.
O Supremo afirmou que a redução da alíquota do AFRMM, prevista no Decreto nº 11.321/2022, não chegou a beneficiar os contribuintes, pois o mesmo foi revogado antes mesmo de ser aplicado efetivamente. Como a revogação ocorreu no mesmo dia em que o decreto começou a valer, considera-se que a redução nunca passou a integrar a ordem jurídica de forma consolidada.
2. Ausência de necessidade de cumprir os princípios da anterioridade anual e nonagesimal.
A Constituição protege os contribuintes contra aumentos abruptos de tributos, exigindo que a majoração respeite os prazos de anterioridade anual (só pode valer no exercício seguinte) e nonagesimal (só pode produzir efeitos após 90 dias).
No entanto, como não houve efetiva redução da alíquota, e a alíquota original permaneceu a mesma, o STF entendeu que não foi um aumento de tributo, mas sim a manutenção da alíquota já em vigor antes de 2023. Assim, a revogação do Decreto nº 11.321/2022 não precisava respeitar esses prazos.
3. Segurança jurídica e princípio da não surpresa
Alguns contribuintes alegaram que a revogação abrupta da redução violava os princípios da segurança jurídica e da não surpresa em matéria tributária, já que contavam com a alíquota reduzida. O STF rechaçou esse argumento, afirmando que os contribuintes sempre souberam das alíquotas originais e que a revogação imediata da redução impediu que houvesse uma real expectativa legítima de benefício tributário.
4. A redução da alíquota foi declarada nula por violar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Além disso, o STF concordou com o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que já havia considerado a redução da alíquota “nula desde sua publicação”, pois violava regras fiscais. Segundo o artigo 113 do ADCT e os artigos 14, I, 15 e 16 da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF), toda renúncia fiscal precisa ser acompanhada de uma estimativa de impacto orçamentário, o que não ocorreu no caso.
Portanto, a redução da alíquota foi invalidada, o que reforçou a tese de que os contribuintes não poderiam utilizá-la.
Conclusão…
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada (Tema 1.368 da repercussão geral), bem como:
(i) reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria para negar provimento ao recurso extraordinário; e
(ii) fixou a tese anteriormente citada.
STF. ARE 1.527.985/ES, relator Ministro Presidente, julgamento finalizado no Plenário Virtual em 03.02.2025 (info 1164).