O art. 19 da Lei de Contravenções penais permanece válido e é aplicável ao porte de arma branca, cuja potencialidade lesiva deve ser aferida com base nas circunstâncias do caso concreto, tendo em conta, inclusive, o elemento subjetivo do agente.
Por revelar interpretação mais adequada com os fins sociais da norma, o preceito incriminador descrito no art. 19 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941) — até que sobrevenha disposição em contrário — possui plena aplicabilidade na hipótese de porte de arma branca, devendo o julgador orientar-se, no caso concreto, pelo contexto fático, pela intenção do agente e pelo potencial de lesividade do objeto (grau de potencialidade lesiva ou efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal).
Bens jurídicos tutelados.
O porte de arma constitui matéria penal que pretende tutelar uma série de bens jurídicos relevantes, como a segurança nacional, a incolumidade pública e a saúde das pessoas. Com o intuito de prevenir crimes violentos, proteger a paz pública e restringir comportamentos perigosos, o legislador impõe sanções à mera conduta do porte ilegal de armas, independentemente da concretização do dano.
Relativamente as armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contravenções Penais foi derrogado.
Relativamente às armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contravenções Penais foi derrogado pelo art. 10 da Lei n° 9.437/1997 (1), que instituiu o Sistema Nacional de Armas (SINARM) e que, por sua vez, foi ab-rogado pela Lei nº 10.826/2003 – “Estatuto do Desarmamento”.
No que se refere ao porte de outros artefatos letais de menor potencial ofensivo, como as armas brancas — sejam elas próprias (instrumentos destinados ao ataque ou a defesa, a exemplo de facas, canivetes, punhais e espadas) ou impróprias (qualquer outro instrumento que se torne vulnerante, quando utilizado com a finalidade de ataque, a exemplo de machados, foices e tesouras) — a contravenção penal prevista no referido dispositivo permanece válida e vigente .
Não há norma penal em braco sem complementação ou mesmo violação ao princípio da legalidade.
Ademais, não há que se falar em norma penal em branco sem complemento ou em violação ao princípio da legalidade em matéria penal (CF/1988, art. 5º, XXXIX). Esta Corte, seguindo o entendimento jurisprudencial do STJ, entendeu que a regulamentação estatal (decorrente da expressão “sem licença da autoridade”) é dispensável para a configuração da infração penal, na medida em que a redação original do dispositivo se referia à autorização administrativa da autoridade competente apenas para o porte ou para a posse de arma de fogo, isto é, a exigência não se aplica às armas brancas.
Caso concreto.
Na espécie, a Turma Criminal do Colégio Recursal de Marília/SP confirmou a sentença que condenou o réu ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa por portar, em sua cintura, uma faca de cozinha, sendo verificado, no caso concreto, que as circunstâncias em que houve a sua abordagem indicam a lesividade da conduta e o evidente risco à integridade física dos frequentadores do local.
Conclusão…
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 857 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário com agravo e fixou a tese anteriormente citada.
STF. ARE 901.623/SP, relator Ministro Edson Fachin, redator do acórdão Ministro Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 04.10.2024 (info 1153).