Conceitos Necessários
Para entender o julgado do STF no Tema 979, vamos abordar alguns conceitos relevantes:
• Gravação Ambiental: A gravação ambiental é a captação de sons e/ou imagens realizada em ambiente privado ou público, com ou sem o consentimento dos interlocutores. Pode ser feita por meio de equipamentos eletrônicos como câmeras e gravadores.
• Gravação Clandestina: Trata-se de uma gravação realizada sem o conhecimento de um ou mais participantes de uma conversa ou reunião.
Exemplo Didático 1.
João, candidato a prefeito de uma cidade, suspeita que seu oponente Pedro esteja comprando votos. Para comprovar a acusação, João combina com Lúcio, empresário da região, para que ele marque uma reunião com Pedro e tente colher provas, efetuando a gravação de toda a reunião.
Lúcio, então, foi até o escritório de Pedro e secretamente gravou toda a conversa. Na gravação, Pedro revela detalhes de um esquema de compra de votos.
A gravação feita por João pode ser utilizada como prova no processo eleitoral contra Pedro?
Não. De acordo com o entendimento do STF no Tema 979, essa gravação seria considerada ilícita, pois foi feita em ambiente fechado, violando a privacidade e intimidade de Pedro. Além disso, não houve autorização judicial para a gravação, e a prova resultante deve ser considerada inadmissível.
Exemplo Didático 2.
Miguel, candidato a prefeito de uma cidade, suspeita que seu oponente Zacarias esteja comprando votos. Para comprovar a acusação, Miguel combina com Oswaldo, empresário da região, para que ele marque uma reunião com Zacarias e tente colher provas, efetuando a gravação de toda a reunião.
Oswaldo, então, se encontrou com Zacarias em uma praça e secretamente gravou toda a conversa. Na gravação, Zacarias revela detalhes de um esquema de compra de votos.
A gravação feita por Miguel pode ser utilizada como prova no processo eleitoral contra Zacarias?
Sim. A exceção à regra da ilicitude da gravação ambiental feita sem o conhecimento de um dos interlocutores e sem autorização judicial ocorre na hipótese de registro de fato ocorrido em local público desprovido de qualquer controle de acesso, pois, nesse caso, não há violação à intimidade ou quebra da expectativa de privacidade.
A decisão é um distinguishing em relação a regra geral.
O processo eleitoral guarda peculiaridades que conduzem à solução jurídica distinta da que foi fixada por este Tribunal em outra oportunidade, quando compreendeu ser “lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro”. Vejamos a regra geral:
#Tese de Repercussão Geral – Tema 237-STF: É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.
Ponderação e proporcionalidade entre os princípios da liberdade probatória e o da vedação da prova ilícita.
Na seara eleitoral, prevalece a regra segundo a qual são ilícitas — por violarem o direito fundamental da proteção à intimidade (CF/1988, art. 5º, X) e a expectativa de privacidade dos interlocutores — as provas obtidas mediante gravação clandestina, realizada sem o conhecimento de um dos interlocutores e sem autorização judicial, em ambientes fechados ou em ambientes públicos providos de qualquer controle de acesso.
Na busca pela verdade material e pela elucidação de eventuais ilícitos eleitorais, deve-se realizar um juízo de ponderação e proporcionalidade entre os princípios da liberdade probatória e o da vedação da prova ilícita (CF/1988, art. 5º, LVI), com a especial finalidade de harmonizar a lisura e a moralidade entre os atores da arena política e inviabilizar práticas desleais.
Além do induzimento ao ilícito por parte de um dos interlocutores, há a violação da intimidade e da privacidade.
Considerado o acirrado ambiente das disputas político-eleitorais, a gravação ambiental em espaço privado reveste-se de intenções espúrias e deriva de um arranjo prévio para induzir ou instigar um flagrante preparado, o que enseja a imprestabilidade desse meio de prova no âmbito do processo eleitoral, pois, além do induzimento ao ilícito por parte de um dos interlocutores, há a violação da intimidade e da privacidade.
A gravação em local aberto ao público perde o caráter da clandestinidade.
Noutro sentido, a gravação ambiental de segurança, normalmente utilizada de forma ostensiva em ambientes públicos como bancos, centros e lojas comerciais, ou mesmo nas ruas, que vem sendo admitida pelo Tribunal Superior Eleitoral, constitui prova válida no processo eleitoral, pois, dessa perspectiva, em razão da perda do caráter de clandestinidade, não há como se cogitar de violação da intimidade em local aberto ao público. Nessas circunstâncias, a própria natureza do local retira a expectativa de privacidade, especialmente porque o eventual autor da prática delituosa, ou vedada, tem plena consciência de que ali pode ser facilmente descoberto, seja por prova testemunhal, seja por gravação ambiental.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 979 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou as teses anteriormente citadas, cuja aplicabilidade deve ocorrer desde as eleições de 2022.
STF. RE 1.040.515/SE, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 26.04.2024 (info 1134).