Lei nº 3.990/2002, do Estado do Rio de Janeiro.
A Lei nº 3.990/2002 obrigou os hospitais, casas de saúde e maternidades, públicos ou privados, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, obrigados a adotarem medidas de segurança que evitem, impeçam ou dificultem a troca de recém-nascidos em suas dependências, bem como permitam a identificação posterior, através de exame de DNA comparativo em casos de dúvida.
Para consecução desses objetivos, a lei determinou as seguintes medidas:
I. Utilização de pulseiras de identificação numeradas para mãe e filho na sala de parto;
II. Utilização de grampo umbilical enumerado com o número correspondente ao da pulseira;
III. Utilização de kit de coleta de material genético de todas as mães e filhos ali internados, coletados na sala de parto para arquivamento na unidade de saúde a disposição da Justiça.
O descumprimento das medidas pode importar em multa ou até mesmo interdição do estabelecimento.
O dispositivo da lei que determina a coleta compulsória de material genético é constitucional?
Não. É inconstitucional — por violar os direitos à intimidade e à privacidade (CF/1988, art. 5º, X), bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, na dimensão da proibição do excesso — norma estadual que determina a hospitais, casas de saúde e maternidades a coleta compulsória de material genético de mães e bebês na sala de parto e o subsequente armazenamento à disposição da Justiça para o fim de evitar a troca de recém-nascidos nas unidades de saúde.
Violação da autonomia da vontade.
A lei estadual impugnada, a pretexto de proteger o direito à filiação biológica, viola o direito à privacidade de pessoas em estado de extrema vulnerabilidade, uma vez que há coleta e armazenamento de material genético sem prévio consentimento. Nesse contexto, infringe a autonomia da vontade da parturiente ao se valer de instrumento coercitivo desproporcional para a tutela de interesse eminentemente privado do destinatário da norma, além de comprometer a autodeterminação informativa dos titulares desses dados, pois os impede de decidir sobre sua divulgação e utilização.
Violação de dados sensíveis.
Os dados genéticos são classificados como sensíveis, de modo que, mesmo que houvesse consentimento da parturiente, o direito à privacidade ainda estaria violado, visto que o texto da lei impugnada é vago em relação ao tratamento dos dados genéticos armazenados, o que constitui severo risco à integridade digital dos indivíduos.
A ausência de previsão quanto à destinação dos dados, bem como aos mecanismos para sistematizar a coleta, a guarda eficaz e a sua posterior exclusão, permite a utilização do material coletado para quaisquer interesses, como a mercantilização e o perfilamento dos dados, o que pode ocasionar uma série de violações a direitos fundamentais, como, por exemplo, a discriminação genética de pessoas com doenças congênitas.
Há medidas mais efetivas e menos custosas e interventivas na esfera privada dos indivíduos para se evitar a troca de bebês nas unidades de saúde.
Exemplos disso são o uso de pulseiras numeradas na mãe e no filho, o uso de grampo umbilical, a identificação da gestante no momento da admissão, em conjunto com a posterior identificação do recém-nascido no momento do nascimento, e a possibilidade da permanência do pai no momento do nascimento do filho. De qualquer forma, o mais adequado é que o material genético seja coletado a partir do instante em que ocorrer a dúvida sobre possível troca.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 1º, parte final, e 2º, III, ambos da Lei 3.990/2002 do Estado do Rio de Janeiro.
STF. ADI 5.545/RJ, relator Ministro Luiz Fux, julgamento finalizado em 13.4.2023 (info 1090).