Caso concreto.
O partido Rede Sustentabilidade ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 474) na qual pede que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheça que a concentração no governo do estado da gestão financeira e orçamentária das universidades públicas fluminenses – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e Fundação Centro Universitário Estadual Zona Oeste (UEZO) – viola preceitos da Constituição Federal de 1988. A relatora da ADPF é a ministra Rosa Weber.

As Universidades Estaduais vinham enfrentando dificuldades financeiras devido à forma como o governo estadual gerenciava seus recursos. O governo centralizava todas as decisões financeiras, muitas vezes atrasando ou negando pagamentos essenciais para o funcionamento da universidade, mesmo quando as despesas já estavam empenhadas e liquidadas.

EC nº 71/2017 à Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
Para resolver esse problema, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou uma emenda à Constituição Estadual (EC nº 71/2017) determinando que o orçamento da UERJ fosse repassado em duodécimos mensais, garantindo assim um fluxo regular de recursos e maior autonomia na gestão financeira da universidade.

Ocorre que o Estado do Rio de Janeiro continuava utilizando o modelo de Caixa Único.

Autonomia financeira e patrimonial das universidades.
A fim de assegurar o aporte de patrimônio e recursos necessários ao adequado cumprimento das funções institucionais das universidades públicas, o texto constitucional lhes garantiu autonomia financeira e patrimonial, além de um espaço mínimo de autogestão (CF/1988, art. 207). Não se preestabeleceu um modelo específico para o repasse financeiro, mas este deve ser compatível com a referida autonomia.

Quais modelos podem ser adotados?
Conforme a jurisprudência desta Corte, há diferentes modelos que os entes federados podem validamente adotar para concretizar a autonomia universitária, entre eles o do duodécimo e o do caixa único.

Modelo de Duodécimos: O modelo de duodécimos é um sistema de repasse orçamentário em que os recursos financeiros destinados a uma instituição são transferidos em parcelas mensais iguais ao longo do ano fiscal. Cada parcela corresponde a 1/12 (um doze avos) do orçamento anual total aprovado para a instituição.
Características principais:
Regularidade: Garante um fluxo constante e previsível de recursos.
Autonomia: Permite que a instituição planeje e execute seus gastos com maior independência.
Proteção contra flutuações: Minimiza o impacto de variações sazonais na arrecadação do ente federativo.
No contexto das universidades, este modelo visa assegurar maior autonomia financeira, permitindo que a instituição gerencie diretamente os recursos recebidos, sem depender de autorizações constantes do Poder Executivo para cada despesa.
Modelo de Caixa Único: O modelo de caixa único, também conhecido como “conta única”, é um sistema em que todos os recursos financeiros de um ente federativo (como um estado ou município) são centralizados em uma única conta bancária, geralmente controlada pelo Poder Executivo.
Características principais:
Centralização: Todos os recursos são mantidos em uma conta central.
Controle centralizado: O Poder Executivo (geralmente através da Secretaria de Fazenda) tem controle direto sobre todos os gastos.
Flexibilidade para o governo: Permite ao governo central maior flexibilidade na alocação de recursos conforme as necessidades imediatas.
No contexto das universidades, este modelo pode limitar a autonomia financeira da instituição, pois cada despesa geralmente precisa ser autorizada e liberada pelo órgão central de finanças do governo.

O modelo adotado não pode esvaziar a autonomia de gestão financeira e patrimonial
A submissão das instituições de ensino superior à ampla discricionariedade do governador ou da secretaria de fazenda para a realização de despesas básicas configura medida desarrazoada — notadamente quando se rejeitam os pagamentos primordiais ao funcionamento dessas entidades —, de modo que a centralização dos recursos financeiros representa uma forma de esvaziar a autonomia exigida no texto constitucional.

O modelo dos duodécimos, adotado pela EC nº 71/2017 à Constituição do Estado do Rio de Janeiro, deve ser respeitado.
Na espécie, o governo do Estado do Rio de Janeiro impôs, de modo gradual, dificuldades à ordenação de despesas das universidades públicas estaduais e recusou, reiteradamente, os seus pagamentos, mesmo quando regularmente empenhadas e liquidadas.

Nesse contexto, a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, por meio da EC nº 71/2017, elegeu o repasse orçamentário na forma de duodécimos como mecanismo de concretização da autonomia de gestão financeira e patrimonial das universidades estaduais. Assim, uma vez considerado o modelo eleito pelo estado, incumbe ao chefe do Poder Executivo repassar os recursos mensalmente e à instituição de ensino superior, gerir diretamente o montante transferido.

Conclusão…
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, conheceu da arguição e a julgou parcialmente procedente para assegurar às universidades fluminenses a aplicação de regime financeiro-orçamentário compatível com a sua autonomia, conforme o modelo eleito na Constituição estadual. Por conseguinte, o Tribunal:
i. Determinou que as dotações orçamentárias destinadas a essas instituições sejam transferidas na forma de duodécimos mensais, com observância de todas as regras orçamentárias e de responsabilidade fiscal;
ii. reconheceu a possibilidade de contingenciamento dos recursos financeiros a serem repassados a título de duodécimos pelo chefe do Poder Executivo, na hipótese do art. 9º da Lei Complementar nº 101/2000, reforçando que essa limitação deve ser proporcional à redução na arrecadação esperada e deve ressalvar as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais; e
iii. fixou a tese anteriormente citada.
STF. ADPF 474/RJ, relatora Ministra Rosa Weber, redator do acórdão Ministro Luís Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 06.09.2024 (info 1149).

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