ADPF 982/PR.
A ADPF 982/PR tratou da competência dos Tribunais de Contas para julgar contas de gestão dos prefeitos que atuam como ordenadores de despesas. Neste contexto, o Supremo Tribunal Federal (STF) delineou importantes diretrizes sobre a prestação de contas, a responsabilidade dos gestores e os limites da atuação dos Tribunais de Contas e das Câmaras Municipais.
Controle Externo e Tribunais de Contas.
O controle externo da administração pública busca garantir que os gestores utilizem corretamente os recursos públicos. Esse controle é realizado pelo Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, conforme determina o artigo 71 da Constituição Federal de 1988. Os Tribunais de Contas possuem a função de fiscalizar e auditar os atos administrativos, disponibilizando pareceres técnicos sobre as contas de agentes públicos e podendo aplicar sanções em caso de irregularidades.
Tipos de Contas Públicas:
Contas de Governo: Avaliam a macrogestão dos recursos públicos pelo chefe do Executivo (prefeitos, governadores, presidente). O julgamento final cabe ao Poder Legislativo (Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa, Congresso Nacional).
Contas de Gestão: Analisam a execução concreta dos recursos públicos, verificando se houve irregularidades na administração dos valores. Essas contas são julgadas pelos Tribunais de Contas, incluindo aquelas relativas a prefeitos que atuam como ordenadores de despesas.
Ordenadores de Despesas.
Ordenadores de despesas são aqueles que autorizam, controlam e supervisionam gastos públicos, assinando contratos e efetuando pagamentos. Os prefeitos, quando assumem esse papel, passam a ter responsabilidade técnica e financeira direta sobre o dinheiro público. Se houver falhas na gestão dos recursos, esses agentes podem ser responsabilizados e penalizados.
Dever de prestação de contas dos prefeitos que ordenam despesas.
Prefeitos que ordenam despesas têm o dever de prestar contas, seja por atuarem como responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração, seja na eventualidade de darem causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte em prejuízo ao erário.”
Os prefeitos, ao exercerem o papel de ordenadores de despesa, são responsáveis não apenas por administrar recursos públicos, mas também por justificar seus atos perante os órgãos de controle. O dever de prestar contas decorre diretamente do princípio da transparência e da responsabilidade na gestão pública.
Caso ocorra desvio, perda, extravio ou qualquer irregularidade que cause prejuízo ao erário, o prefeito pode ser responsabilizado. Os Tribunais de Contas têm o dever de auditar essas contas e eventualmente imputar sanções necessárias. Essa responsabilização auxilia na prevenção de desvios, assegurando que os recursos sejam utilizados para o interesse público.
Competência dos tribunais de contas para julgar contas de gestão dos prefeitos.
Compete aos Tribunais de Contas, nos termos do art. 71, II, da Constituição Federal de 1988, o julgamento das contas de Prefeitos que atuem na qualidade de ordenadores de despesas.
Quando um prefeito atua como ordenador de despesa, a análise de suas contas passa a ser feita pelos Tribunais de Contas. Nestes casos, o Tribunal de Contas age de forma técnica e especializada, investigando se os gastos respeitaram as normas legais. Isso significa que a natureza da conta analisada define o órgão competente para julgá-la:
Contas de Governo: Tribunal de Contas apenas emite um parecer, mas o julgamento final cabe à Câmara de Vereadores.
Contas de Gestão: Julgadas diretamente pelos Tribunais de Contas, pois envolvem a administração direta dos recursos públicos.
A atribuição dos Tribunais de Contas se altera em razão da natureza das contas em análise, e não dos sujeitos que as prestam.
Conforme o texto constitucional, as Cortes de Contas possuem competência para exercer o julgamento técnico das contas de ordenadores de despesa, remanescendo a titularidade do julgamento político das contas de governo, que é prestada pelos chefes do Poder Executivo aos órgãos do Poder Legislativo.
A inelegibilidade só será declarada caso haja rejeição das contas de governo pela Câmara Municipal.
A competência dos Tribunais de Contas, quando atestada a irregularidade de contas de gestão prestadas por Prefeitos ordenadores de despesa, se restringe à imputação de débito e à aplicação de sanções fora da esfera eleitoral, independentemente de ratificação pelas Câmaras Municipais, preservada a competência exclusiva destas para os fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/1990.
Lei Complementar nº 64/1990:
Art. 1º São inelegíveis:
I. para qualquer cargo: (…)
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.
Os Tribunais de Contas podem impor multas e exigir ressarcimento de valores de prefeitos, mas não podem, por si sós, torná-los inelegíveis. Portanto, a inelegibilidade só pode ser declarada pelas Câmaras Municipais, quando atuam no julgamento das contas de governo e rejeitam um balanço administrativo por irregularidade insanável que configure dano ao erário.
Assim, o STF reafirmou que não cabe às Câmaras Municipais ratificarem decisões dos Tribunais de Contas sobre contas de gestão. Em síntese:
As decisões dos Tribunais de Contas possuem efeitos automáticos, como a cobrança do ressarcimento ao erário.
A inelegibilidade do prefeito só será decretada caso haja rejeição das contas de governo pela Câmara Municipal.
Natureza de título executivo das decisões dos Tribunais de Contas.
A natureza de título executivo conferida às decisões do Tribunal de Contas que imputem multa ou condenem ao ressarcimento ao erário evidencia a intenção do constituinte de:
acelerar a reparação decorrente de desvios do dinheiro público;
dar eficácia aos atos decisórios do referido órgão; e
evitar a prescrição da pretensão de ressarcimento ao erário.
Nesse contexto, a atribuição da competência para julgar as contas de gestão de prefeitos na qualidade de ordenadores de despesa é essencial para garantir a eficácia do controle externo, a responsabilização dos gestores públicos e a preservação do erário.
Conclusões…
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade:
(i) julgou procedente a arguição para invalidar as decisões judiciais ainda não transitadas em julgado anulatórias de atos decisórios de Tribunais de Contas que, em julgamentos de contas de gestão de prefeitos, imputem débito ou apliquem sanções fora da esfera eleitoral, preservada a competência exclusiva das Câmaras Municipais para os fins do art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar nº 64/1990, conforme decisões anteriores do STF; e
(ii) fixou as teses anteriormente citadas.
STF. ADPF 982/PR, relator Ministro Flávio Dino, julgamento virtual finalizado em 21.02.2025 (info 1166).