Você já ouviu falar em assédio processual ou sham litigation (“litigância simulada”)?
Trata-se do abuso do direito de demandar, que leva um indivíduo a propor uma série de ações judiciais desprovidas de qualquer viabilidade jurídica com o objetivo de prejudicar a outra parte, lhe causando prejuízo nas mais diversas ordens (financeira, psicológica, familiar, reputacional…)
O STJ já decidiu que o abuso do direito de ação pode configurar assédio processual e gerar o dever de indenizar.
O ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual.
O abuso do direito fundamental de acesso à justiça em que incorreram os recorridos não se materializou em cada um dos atos processuais individualmente considerados, mas, ao revés, concretizou-se em uma série de atos concertados, em sucessivas pretensões desprovidas de fundamentação e em quase uma dezena de demandas frívolas e temerárias, razão pela qual é o conjunto desta obra verdadeiramente mal-acabada que configura o dever de indenizar. STJ. 3ª Turma. REsp 1.817.845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2019 (Info 658).
Exemplo didático.
Imagine que João, um jornalista investigativo, publicou uma série de reportagens denunciando atos de corrupção envolvendo um político influente. O político, sentindo-se prejudicado, decide ajuizar diversas ações de indenização por danos morais contra João em diferentes comarcas do país, mesmo sabendo que a informação divulgada era verdadeira e de interesse público.
João pode solicitar que todas as ações sejam reunidas e julgadas no foro de seu domicílio para evitar o assédio judicial?
Sim, João pode solicitar que todas as ações sejam reunidas e julgadas no foro de seu domicílio. Conforme decidido pelo STF nas ADIs 6.792/DF e 7.055/DF, a proteção da liberdade de expressão e a prevenção do assédio judicial legitimam a fixação de competência no foro do domicílio do réu. O juiz competente poderá ainda, de ofício, reconhecer a ausência de interesse de agir e extinguir sumariamente a ação sem resolução do mérito.
Responsabilidade civil de jornalistas e liberdade de expressão.
A responsabilidade civil de jornalistas, ao divulgar notícias sobre figuras públicas ou assuntos de interesse social, só ocorre em casos de dolo ou culpa grave (manifesta negligência profissional na apuração dos fatos), não se aplicando a opiniões, críticas ou informações verdadeiras de interesse público.
Esta Corte considera a liberdade de expressão uma liberdade preferencial pela sua importância para a dignidade da pessoa humana, sendo imprescindível para a democracia, que depende da participação esclarecida das pessoas. Essa posição preferencial da liberdade de expressão protege a atividade jornalística, somente cabendo atribuir a responsabilidade civil ao jornalista ou ao veículo de comunicação nas hipóteses explícitas de dolo ou culpa grave, esta última caracterizada pela evidente negligência profissional na apuração dos fatos.
Nos casos de assédio judicial a jornalistas, a parte ré poderá solicitar a reunião de todas as demandas judiciais para serem julgadas no foro de seu domicílio.
O assédio judicial verifica-se quando inúmeras ações são ajuizadas sobre os mesmos fatos em comarcas diversas com o objetivo de intimidar jornalistas, impedir sua defesa ou torná-la extremamente dispendiosa. É uma prática abusiva do direito de ação, com notório intuito de prejudicar o direito de defesa de jornalista ou órgão de imprensa.
Nesse contexto, quando identificado o assédio judicial, a proteção da liberdade de expressão legitima a fixação de competência no foro do domicílio do réu, que é a regra geral do direito brasileiro (CPC/2015, art. 46). E há várias leis que estabelecem expressamente a reunião de ações com os mesmos fundamentos em um único foro (Lei da Ação Popular, Lei da Ação Civil Pública, Lei de Improbidade Administrativa). Para unificar as ações que forem iniciadas em tribunais distintos, bastará que a defesa solicite a sua remessa e redistribuição, tornando-se prevento o juiz do domicílio do réu no qual a primeira ação for distribuída.
Possibilidade de extinção sumária das ações.
Além disso, nas situações em que restar evidente o assédio judicial, o magistrado competente poderá reconhecer de ofício a ausência do interesse de agir e, consequentemente, extinguir sumariamente a ação sem resolução do mérito.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta, por maioria, julgou parcialmente procedente a ADI 6.792/DF e integralmente procedente a ADI 7.055/DF, para dar interpretação conforme a Constituição aos arts. 186 e 927, caput, do Código Civil, e ao art. 53 do Código de Processo Civil, nos moldes da tese anteriormente citada, fixada também por maioria.
STF. ADI 6.792/DF, ADI 7.055/DF, relatora Ministra Rosa Weber, redator do acórdão Ministro Luís Roberto Barroso, julgamento finalizado em 22.05.2024 (info 1138).