Reajuste dos 28,86%.
O reajuste de 28,86% refere-se a um reajuste salarial concedido às Forças Armadas no ano de 1993, baseado na diferença acumulada da inflação medida entre setembro de 1992 e dezembro de 1993. Esse reajuste foi decorrente da Lei 8.622/1993 e da Lei 8.627/1993, que reestruturaram as tabelas de salários dos militares.
A controvérsia começou quando servidores civis do governo, particularmente aqueles vinculados a setores da administração direta, autárquica e fundacional, reivindicaram o mesmo reajuste aplicado aos militares, argumentando que o princípio da isonomia estava sendo violado, já que não receberam reajuste equivalente.
Isso levou a uma série de ações judiciais, pois os servidores civis buscavam receber o mesmo índice de correção salarial de 28,86%. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) acabaram decidindo que os servidores civis tinham direito ao mesmo reajuste, levando a um grande número de processos judiciais e impactos significativos nos gastos públicos com pessoal. Inclusive, o tema chegou a ser objeto de súmula vinculante. Vejamos:
#Súmula Vinculante 51: O reajuste de 28,86%, concedido aos servidores militares pelas Leis 8622/1993 e 8627/1993, estende-se aos servidores civis do poder executivo, observadas as eventuais compensações decorrentes dos reajustes diferenciados concedidos pelos mesmos diplomas legais.
Essas decisões judiciais criaram um precedente para que diversos grupos de servidores públicos civis pleiteassem ajustes salariais similares, cada um utilizando a justificativa de manter a paridade entre os aumentos concedidos a diferentes categorias de trabalhadores no serviço público.
MP 1.704/1998 e posteriores reedições, com alteração pela MP 1.962-33/2000 (reeditada pela MP 2.169-43/2001, até hoje vigente).
A Medida Provisória n. 1.704/1998 estendeu aos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Poder Executivo Federal a vantagem de 28,86%, objeto da decisão do Supremo Tribunal Federal assentada no julgamento do Recurso Ordinário no Mandado de Segurança n. 22.307-7-DF. Vejamos:
MP 1.704/1998.
Art. 7º Ao servidor que se encontre em litígio judicial visando ao pagamento da vantagem de que cuida esta Medida Provisória é facultado receber os valores devidos até 30 de junho de 1998, pela via administrativa, firmando transação, até 30 de dezembro de 1998, a ser homologada no juízo competente.
Parágrafo único. Para efeito do cumprimento do disposto nesta Medida Provisória, a Advocacia-Geral da União e as Procuradorias Jurídicas das autarquias e fundações públicas federais ficam autorizadas a celebrar transação nos processos movidos contra a União ou suas entidades que tenham o mesmo objeto do Mandado de Segurança referenciado no art. 1º.
Após sucessivas reedições e adiamentos da data limite para celebrar a transação, a MP 1.962-33/2000, inseriu o §2º no art. 7º, que foi reproduzido na vigente MP 2.169-43/2001, e se encontra eficaz até os dias atuais, nos seguintes termos:
MP 1.962-33/2000 e MP 2.169-43/2001.
Art. 7º Ao servidor que se encontre em litígio judicial visando ao pagamento da vantagem de que tratam os arts. 1º ao 6º, é facultado receber os valores devidos até 30 de junho de 1998, pela via administrativa, firmando transação, até 19 de maio de 1999, a ser homologada no juízo competente.
§ 1º Para efeito do cumprimento do disposto nesta Medida Provisória, a Advocacia-Geral da União e as Procuradorias Jurídicas das autarquia se fundações públicas federais ficam autorizadas a celebrar transação os processos movidos contra a União ou suas entidades que tenham o mesmo objeto do Mandado de Segurança referenciado no art. 1º.
§ 2º Para feito da homologação prevista no caput, a falta do instrumento da transação, por eventual extravio, será suprida pela apresentação de documento expedido pelo SIAPE, que comprove a celebração da avença.
Portanto, até a edição da MP 1.962-33/2000, a legislação não trazia de forma expressa a possibilidade de utilização de fichas financeiras emitidas pelo sistema SIAPE par comprovar a transação realizada entre o servidor e a Administração Pública no caso de extravio ou falta do instrumento de transação homologado.
Caso concreto adaptado.
Maria é servidora pública federal e em 1994 propôs ação requerendo o reajuste de 28,86%, nos mesmos termos concedidos aos servidores militares. A União alega que em 20 de dezembro de 1998, nos termos da MP 1.704/1998, foi celebrada transação com a servidora, importando no pagamento dos retroativos devidos. A servidora, entretanto, não reconhece que os pagamentos foram realizados.
A União não juntou aos autos a homologação judicial do acordo realizado, tendo em vista afirma que o mesmo foi objeto de extravio. Juntou, entretanto, a ficha financeira de Maria, emitida pelo sistema SIAPE, onde consta rubrica no exato dos retroativos cobrados.
O advogado de Maria, entretanto, afirma que suposta transação foi anterior a MP 1.962-33/2000, não é possível utilizar tal documento como prova do pagamento dos valores, tendo em vista que a MP 1.704/1998 não previa tal possibilidade, determinando a necessidade de apresentação da decisão judicial homologatória.
A ficha financeira emitida pelo SIAPE tem o condão de provar o pagamento dos valores?
Sim. É possível a comprovação de transação administrativa, relativa ao pagamento da vantagem de 28,86%, por meio de fichas financeiras ou documento expedido pelo Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos – SIAPE, conforme art. 7º, § 2º, da MP n. 2.169-43/2001, apenas em relação a acordos firmados posteriormente à vigência dessa norma.
Quando não for localizado o instrumento de transação devidamente homologado, e buscando impedir o enriquecimento ilícito, os valores recebidos administrativamente, a título de 28,86%, demonstrados por meio dos documentos expedidos pelo SIAPE, devem ser deduzidos do valor apurado, com as atualizações pertinentes.
Controvérsia.
O presente feito foi afetado pela Primeira Seção para ser julgado sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos, a fim de “definir se é possível a comprovação de transação administrativa, relativa ao pagamento da vantagem de 28,86%, por meio de fichas financeiras ou documento expedido pelo Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos – SIAPE, conforme art. 7º, § 2º, da MP n. 2.169-43/2001, inclusive em relação a acordos firmados em momento anterior à vigência dessa norma”.
Princípio da legalidade estrita.
Nos termos do art. 37 da Constituição Federal, a Administração deve reger seus atos em estrita obediência ao princípio da legalidade, devendo toda sua atividade funcional se sujeitar aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, sob pena do ato ser considerado inválido e ineficaz diante de uma eventual arbitrariedade.
Presunção de veracidade dos dados constantes do extrato do SIAPE.
Por sua vez, e de acordo com a União, o extrato do SIAPE é documento público, o qual goza de presunção juris tantum de veracidade acerca de todas as informações nele reportadas. O SIAPE é um sistema que busca centralizar e unificar todas as plataformas de gestão da folha de pessoal dos servidores públicos federais. “Hoje o SIAPE processa o pagamento de servidores, regidos tanto pelo Regime Jurídico Único Federal (Lei n. 8.112/90) quanto pela CLT e por outros regimes (Contratos Temporários, Estágios, Residência Médica, etc)”.
Também é oportuno salientar que os extratos fornecidos pelo SIAPE poderiam, a princípio, demonstrar a existência de pagamentos, e não do ajuste celebrado. No instrumento de transação, são dispostas inúmeras cláusulas, regulamentando os termos das concessões recíprocas. Um extrato interno da Administração Pública, como ressaltado, demonstra apenas um pagamento.
Em regra, a comprovação por meio de extratos do SIAPE só pode ser aplicadas nos acordos celebrados após a vigência da MP 1.962-33/2000.
A disposição contida no art. 7º, § 2º, da MP n. 1.962-33/2000, que foi reproduzida na vigente MP n. 2.169-43/2001, criou uma forma de demonstração da existência do negócio jurídico, que anteriormente era feito por meio da apresentação da escritura pública ou instrumento de transação assinado por ambos os acordante. A referida forma é válida, já que criada por lei. No entanto, somente pode ser aplicada aos negócios jurídicos celebrados após a sua edição, sob pena de surpreender os envolvidos e retroagir de forma prejudicial ao administrado, de modo que a comprovação, por meio dos extratos do SIAPE, deve ser aplicada a apenas aos acordos firmados após a sua vigência.
Dessa forma, entende-se que é possível a comprovação de transação administrativa, relativa ao pagamento da vantagem de 28,86%, por meio de fichas financeiras ou documento expedido pelo SIAPE, conforme o art. 7º, § 2º, da MP n. 2.169-43/2001, apenas em relação a acordos firmados em momento posterior à vigência dessa norma.
Quando não for localizado o instrumento de transação devidamente homologado, os valores recebidos administrativamente, a título de 28,86%, demonstrados por meio dos documentos expedidos pelo SIAPE, devem ser deduzidos do valor apurado, com as atualizações pertinentes.
Ademais, ressalte-se que a vedação ao enriquecimento ilícito impede o pagamento de direitos não reconhecidos ou de pagamento de parcela já quitada. A restituição é devida não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. Por isso, quando não for localizado o instrumento de transação devidamente homologado, e buscando impedir o enriquecimento ilícito, os valores recebidos administrativamente, a título de 28,86%, demonstrados por meio dos documentos expedidos pelo SIAPE, devem ser deduzidos do valor apurado, com as atualizações pertinentes.
STJ. REsp 1.925.176-PA, REsp 1.925.194-RO, REsp 1.925.190-DF, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 18/4/2024, DJe 26/4/2024 (info 809).
APROFUNDANDO!
A Súmula Vinculante 51 foi editada em contexto anterior a EC 19/98.
Antes da EC 19/98, o art. 37, X da CF tinha a seguinte redação:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
X. a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data
Portanto, não era possível haver distinção de índices de revisão geral anual entre servidores civis e militares.
Atualmente, o art. 37, X da CF não se aplica aos militares, pois o termo “servidores públicos” hoje não abrange militares.
Veja o novo texto do art. 37, X da CF:
Art. 37, X. a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;
Desde a EC 19/98, os “servidores públicos civis” passaram a ser denominados simplesmente “servidores públicos” e os “servidores públicos militares” passaram a ser denominados simplesmente “militares”.
Portanto, já não existe obrigatoriamente de previsão do mesmo índice de revisão geral anual para servidores públicos e militares.