Teoria do desvio produtivo.
Segundo Marcos Dessaune, o desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável.
A teoria do desvio produtivo encontra guarida no direito consumerista brasileiro?
Sim.
A Teoria dos Desvio Produtivo do Consumidor é predisposta a ser aplicada no âmbito do direito consumerista, notadamente em razão da situação de desigualdade e de vulnerabilidade que são características das relações de consumo, não se aplicando, portanto, a relações jurídicas não consumeristas regidas exclusivamente pelo Direito Civil.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.017.194-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/10/2022 (Info Especial 9).
O atraso em virtude de uma fila, por si só, não tem o condão de ofender direito de personalidade do consumidor dos serviços bancários.
O mero transcurso do tempo, por si só, não impõe um dever obrigacional de ressarcimento, por não configurar, de plano, uma prática abusiva a acarretar uma compensação pecuniária, como pressupõe a teoria do desvio produtivo, que considera a perda de tempo útil uma espécie de direito de personalidade irrenunciável do indivíduo. Sob tal perspectiva, qualquer atraso na prestação de serviços poderia atrair a tese. Contudo, o controle do tempo, por mais salutar que seja, depende de fatores por vezes incontroláveis e não previsíveis, como parece óbvio. Há atendimentos mais demorados que não são passíveis de fiscalização prévia e, por vezes, até mesmo eventos de força maior, que podem ensejar atrasos.
Por outro lado, incumbe ao consumidor que aguarda em fila de banco demonstrar qual é de fato o prejuízo que está sofrendo e se não haveria como buscar alternativas para a solução do problema, tal como caixas eletrônicos e serviços de internet banking (autosserviço).
A alegação genérica de que a demora “impossibilitou de cumprir compromissos” não é suficiente para gerar o dever de indenizar.
A mera alegação genérica de que se está deixando de cumprir compromissos diários, profissionais, de lazer e de descanso, sem a comprovação efetiva do dano, possibilita verdadeiro abuso na interposição de ações por indenização em decorrência de supostos danos morais.
Indenizar meros aborrecimentos do cotidiano, por perda de tempo, que podem se dar em decorrência de trânsito intenso, reanálise de contratos de telefonia, cobrança ou cancelamento indevido de cartão de crédito, espera em consultórios médicos, odontológicos e serviços de toda ordem, sejam públicos ou privados, tem o potencial de banalizar o que se entende por dano moral, cuja valoração não pode ser genérica nem dissociada da situação concreta, sob pena de ensejar uma lesão abstrata, e, por outro lado, tarifação, que é vedada nos termos da Súmula n. 281/STJ.
E se existir lei municipal estabelecendo o tempo máximo na fila?
A mera invocação de legislação municipal que estabelece tempo máximo de espera em fila de banco não é suficiente para ensejar o direito à indenização. Vejamos:
#Tese Repetitiva – Tema 1.156-STJ: O simples descumprimento do prazo estabelecido em legislação específica para a prestação de serviços bancários não gera por si só dano moral in re ipsa.
STJ. REsp 1.962.275-GO, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por maioria, julgado em 24/4/2024, DJe 29/4/2024 (info 809).
A mera invocação de legislação municipal que estabelece tempo máximo de espera em fila de banco não é suficiente para ensejar o direito à indenização.
No entanto, se a espera por atendimento na fila de banco for excessiva ou associada a outros constrangimentos, pode ser reconhecida como provocadora de sofrimento moral e ensejar condenação por dano moral. STJ. 3ª Turma. REsp 1662808/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/05/2017. STJ. 4ª Turma. REsp 1647452/RO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/02/2019.
Isso significa que tais leis são inconstitucionais?
Não. As leis são constitucionais.
É constitucional — por não violar as regras do sistema constitucional de repartição de competências — lei estadual que fixa limite de tempo proporcional e razoável para o atendimento de consumidores em estabelecimentos públicos e privados, bem como prevê a cominação de sanções progressivas na hipótese de descumprimento.
STF. ADI 2.879/SC, relator Ministro Nunes Marques, julgamento virtual finalizado 15.9.2023 (info 1108).
É constitucional lei municipal que estabelece que os supermercados e hipermercados do Município ficam obrigados a colocar à disposição dos consumidores pessoal suficiente no setor de caixas, de forma que a espera na fila para o atendimento seja de, no máximo, 15 minutos. Isso porque compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local, notadamente sobre a definição do tempo máximo de espera de clientes em filas de estabelecimentos empresariais.
STF. 1ª Turma. ARE 809489 AgR/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 28/5/2019 (Info 942).
O descumprimento reiterado dos limites previstos na lei municipal pode, inclusive, gerar a aplicação de penalidades administrativas e ensejar danos morais coletivos.
O descumprimento da lei municipal que estabelece parâmetros para a adequada prestação do serviço de atendimento presencial em agências bancárias é capaz de configurar dano moral coletivo.
O descumprimento da lei municipal que estabelece parâmetros para a adequada prestação do serviço de atendimento presencial em agências bancárias é capaz de configurar dano moral coletivo.
STJ. 2ª Turma. REsp 1402475/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 09/05/2017. STJ. 3ª Turma. REsp 1737412/SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2019 (Info 641).
A inadequada prestação de serviços bancários, caracterizada pela reiterada existência de caixas eletrônicos inoperantes, sobretudo por falta de numerário, e pelo consequente excesso de espera em filas por tempo superior ao estabelecido em legislação municipal, é apta a caracterizar danos morais coletivos.
STJ. REsp 1.929.288-TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, por maioria, julgado em 22/02/2022 (info 726)
STJ. REsp 1.962.275-GO, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por maioria, julgado em 24/4/2024, DJe 29/4/2024 (info 809).