Exemplo Didático.
João, após ser demitido sem justa causa, reclamou na Justiça do Trabalho alegando o não recebimento de parte do FGTS. O empregador e João, através de mediação judicial, chegaram a um acordo, e o empregador pagou diretamente a João o valor devido, ao invés de depositá-lo na conta vinculada do FGTS.
Algum tempo depois, é proposta execução fiscal cobrando novamente o pagamento dos respectivos valores, além das multas, correção monetária e contribuições sociais incidentes sobre esses valores. Segundo argumenta o exequente, desde a lei nº nº 9.491/1997, que alterou o art. 18 da Lei nº 8.036/1990 é inviável o pagamento do FGTS diretamente ao empregado, tornando inválido o acordo celebrado.
A ação deve ser julgada procedente?
A ação de execução fiscal proposta deve ser julgada parcialmente procedente. Conforme o entendimento adotado pelo STJ, mesmo após a vigência da Lei nº 9.491/1997, os pagamentos de FGTS realizados diretamente ao empregado em decorrência de um acordo homologado na Justiça do Trabalho são considerados eficazes. Portanto, o pagamento realizado diretamente a João pelo empregador é válido e eficaz para saldar a dívida do FGTS que ele reclamava.
Entretanto, as multas, correção monetária, juros moratórios e contribuição social, que são parcelas incorporáveis ao fundo e devidas em razão de despedida sem justa causa, não podem ser objeto do acordo celebrado posto que a Fazenda Nacional e a Caixa Econômica Federal não foram partes na ação . Estas componentes do fundo não são pagas diretamente ao trabalhador, mas sim destinadas ao FGTS, administrado pela Caixa Econômica Federal. Dessa forma, a cobrança desses adicionais por meio da execução fiscal é válida e deve prosseguir pelo valor remanescente dessas parcelas.
Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia em “definir se são eficazes os pagamentos de FGTS, realizados na vigência da redação do art. 18 da Lei n. 8.036/1990 dada pela Lei n. 9.491/1997, diretamente ao empregado, em decorrência de acordo celebrado na Justiça do Trabalho, ao invés de efetivados por meio de depósitos nas contas vinculadas do titular”.
Art. 18 da Lei n. 8.036/1990.
A redação original do art. 18 da Lei n. 8.036/1990 permitia, em caso de encerramento do contrato de trabalho pelo empregador, o pagamento, diretamente ao empregado, de algumas parcelas do FGTS. A partir do advento da Lei n. 9.491/97, contudo, ficou o empregador obrigado a depositar, por expressa previsão legal (art. 18, caput e § 1º, da Lei n. 8.036/90), todas as quantias relativas à verba fundiária na conta vinculada do trabalhador, inclusive em sede de reclamatória trabalhista (art. 26, parágrafo único, da Lei n. 8.036/1990), não mais se aproveitando os pagamentos realizados diretamente.
Lei nº 8.036/1990 – FGTS.
Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a pagar diretamente ao empregado os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais.
Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais. (Redação dada pela Lei nº 9.491, de 1997)
Apesar do texto legal, diversos acordos judiciais previram o pagamento do FGTS diretamente ao empregado.
Conquanto os comandos normativos referentes à forma de quitação do FGTS fossem claros quanto à necessidade de depósito, em conta vinculado do trabalhador, de todas as parcelas devidas (art. 18, caput e § 1º e art. 26, parágrafo único, ambos da Lei n. 8.036/90), foram corriqueiras as transações celebradas, entre empregador e empregado, na justiça especializada que culminaram no pagamento do quantum debeatur diretamente ao último.
Os acordos celebrados não podem ser desconsiderados.
Ocorre que, embora realizado em termos contrários ao que dispõe a legislação de regência, não se pode desconsiderar que o acordo foi submetido ao crivo do Judiciário (art. 487, II, alínea b, do CPC/15). A referida decisão é irrecorrível (art. 831, parágrafo único, CLT) e faz coisa julgada material, sujeitando-se tão somente ao corte rescisório (Súmula n. 259/TST), cuja competência para apreciação é da própria justiça trabalhista (art. 836, da CLT). Nessa senda, não cabe à Justiça Federal, ou ao Superior Tribunal de Justiça, à míngua de competência jurisdicional para tanto, adentrar, em sede de Embargos à Execução Fiscal, Ação Anulatória, Ação Declaratória da Inexistência do Débito, ou por qualquer outra via, na correção do seu mérito, ou desconsiderá-la, para o fim de reconhecer a ineficácia do pagamento realizado em desconformidade com o prescrito em lei.
É possível, entretanto, o lançamento fiscal das parcelas do FGTS que serão incorporadas ao fundo, consistentes em multas, correção monetária e juros moratórios.
Tal cenário, contudo, não elide o lançamento fiscal das parcelas do FGTS que serão incorporadas ao fundo, consistentes em multas, correção monetária e juros moratórios, conforme art. 2º, § 1º, alínea d, da Lei n. 8.036/1990, e na contribuição social devida pelo empregador, em caso de despedida sem justa causa, consoante art. 1º, caput, c/c art. 3º, § 1º, ambos da Lei Complementar n. 110/2001, para cobrança diretamente pela Fazenda Nacional, ou, mediante convênio, pela Caixa Econômica Federal (art. 2º, caput, da Lei n. 8.844/1994). Tem-se em vista que, além das referidas rubricas não pertencerem ao obreiro, mas ao próprio fundo de garantia, a titular do crédito e/ou o agente operador do fundo não participaram da celebração do ajuste na via laboral, não sendo por ele prejudicados, conforme dicção do art. 506 do Código de Processo Civil.
No caso concreto, a decisão to Tribunal a quo está em consonância com a jurisprudência firmada.
Na caso, o Tribunal de origem, na mesma linha da sentença de primeiro grau, reconheceu a eficácia das quantias diretamente pagas ao empregado, após a vigência da Lei n. 9.491/97, no contexto de acordo trabalhista judicialmente homologado, assegurando o prosseguimento da Execução Fiscal pelo valor remanescente da dívida. O entendimento está em conformidade com a tese que ora se propõe.
Tese firmada.
Nesse contexto, o reconhecimento da eficácia dos correspondentes pagamentos coaduna-se com a tese a ser firmada no seguinte sentido:
#Tese Repetitiva – Tema 1.176-STJ: São eficazes os pagamentos de FGTS realizados diretamente ao empregado, após o advento da Lei 9.491/1997, em decorrência de acordo homologado na Justiça do Trabalho. Assegura-se, no entanto, a cobrança de todas as parcelas incorporáveis ao fundo, consistente em multas, correção monetária, juros moratórios e contribuição social, visto que a União Federal e a Caixa Econômica Federal não participaram da celebração do ajuste na via laboral, não sendo por ele prejudicadas (art. 506, CPC).
STJ. REsp 2.003.509-RN, REsp 2.004.215-SP, REsp 2.004.806-SP, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/5/2024 (info 813).
STJ. REsp 2.003.509-RN, REsp 2.004.215-SP, REsp 2.004.806-SP, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/5/2024 (info 813).