Exemplo didático.
Pedro agrediu fisicamente a sua esposa Beatriz. Dias depois e em outro contexto fático, Pedro agrediu fisicamente o seu filho Enzo. Em ambos os casos, o agressor praticou as agressões se prevalecendo de relação doméstica de coabitação.
Qual o crime cometido?
Em ambos os casos, os crimes foram o de violência doméstica (art. 129, §9º, do CP).
Em algum dos casos será aplicada a agravante do art. 61, inc. II, alínea f, do Código Penal?
Sim. Apenas no crime cometido contra a esposa.
Elementares do crime de violência doméstica (art. 129, § 9º, do Código Penal).
As elementares do crime de lesão corporal, tipificado no art. 129, § 9º, do Código Penal, traz a figura da lesão corporal praticada no espaço doméstico, de coabitação ou de hospitalidade, contra qualquer pessoa independente do gênero, bastando ser ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem o agente conviva ou tenha convivido, ou seja, as elementares do tipo penal não fazem referência ao gênero feminino da vítima, enquanto o que justifica a agravante é essa condição de caráter pessoal (gênero feminino – mulher).
Agravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal.
Por sua vez, o caput do art. 61 do Código Penal estabelece que as circunstâncias agravantes genéricas sempre devem ser observadas na dosimetria da pena, desde que não constituem ou qualificam o crime.
Portanto, não há bis in idem na aplicação da agravante genérica prevista na alínea f do inc. II do art. 61 do Código Penal, inserida pela Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), em relação ao crime previsto no art. 129, § 9º, do mesmo Código, vez que a agravante objetiva uma sanção punitiva maior quando a conduta criminosa é praticada “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica”, o que não é uma circunstância que constitui ou qualifica o crime de violência doméstica.
O crime de violência doméstica (art. 129, § 9º, do Código Penal) não faz referência ao sexo da vítima. Por sua vez, esse é o fator para a aplicação do agravante na segunda fase da dosimetria.
A circunstância que agrava a pena é a prática do crime de violência doméstica contra a mulher, enquanto a circunstância elementar do tipo penal do art. 129, § 9º, do Código Penal, não faz nenhuma referência ao gênero feminino, ou seja, a melhor interpretação – segundo o art. 5° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – é aquela que atende a função social da Lei, e, por isso, deve-se punir mais a lesão corporal contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, se a vítima for mulher (gênero feminino), haja vista a necessária aplicação da agravante genérica do art. 61, inc. II, alínea f, do Código Penal.
STJ. REsp 2.027.794-MS, REsp 2.029.515-MS, REsp 2.026.129-MS, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 12/6/2024 (info 816).
Sobre o tema!
A aplicação da agravante prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal, em condenação pelo delito do art. 129, § 9º, do CP, por si só, não configura bis in idem.
Não se olvida, contudo, que é possível cogitar-se a ocorrência de bis in idem em determinadas hipóteses de aplicação conjunta dos dois dispositivos em comento, como, por exemplo, quando se está diante apenas da circunstância de o crime ter sido cometido com prevalecimento das “relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”.
STJ. AgRg no REsp 1.998.980-GO, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 8/5/2023, DJe 10/5/2023 (info 775).
IMPORTANTE!
No caso, não se aplica o § 13 do art. 129 do CP tendo em visa que os fatos ocorreram antes da edição da Lei nº 14.188/2021:
Art. 129 (…) § 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)
Pena: reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos). (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)
Jurisprudência em Teses do STJ, Ed. 211:
Tese 10: A aplicação da agravante prevista no art. 61, II, f, do Código Penal, de modo conjunto com outras disposições da Lei n. 11.340/2006 não acarreta bis in idem, pois a Lei Maria da Penha visou recrudescer o tratamento dado para a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Jurisprudência em Teses do STJ, Ed. 231:
Tese 5: A aplicação da agravante prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal em condenação pelo delito de lesão corporal no contexto de violência doméstica (art. 129, § 9º, do CP), por si só, não configura bis in idem.
Aprofundando!
Jurisprudência em Teses do STJ, Ed. 152:
Tese 9: O fato de o ofensor valer-se de relações domésticas para a prática do crime de estupro não pode, ao mesmo tempo, ser usado como circunstância judicial desfavorável (art. 59 do CP) e como agravante genérica (art. 61, II, f, do CP), sob pena de bis in idem.