Benefícios inacumuláveis.
O art. 124 da Lei n. 8.213/1991 veda o recebimento concomitante de alguns benefícios previdenciários. Dentre as vedações está o recebimento conjunto de benefícios substitutivos de renda, bem como de mais de um auxílio-acidente.
Lei nº 8.213/1991 – Lei dos planos de benefícios do RGPS.
Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:
I. aposentadoria e auxílio-doença;
II. mais de uma aposentadoria; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
III. aposentadoria e abono de permanência em serviço;
IV. salário-maternidade e auxílio-doença; (Incluído dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
V. mais de um auxílio-acidente; (Incluído dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
VI. mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa. (Incluído dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
Parágrafo único. É vedado o recebimento conjunto do seguro-desemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente. (Incluído dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
Exemplo Didático.
Imagine que o Sr. José recebeu administrativamente o benefício de auxílio-doença no valor de R$ 2.000,00 por mês. Esse benefício foi concedido de janeiro de 2020 a junho de 2020. Em julho de 2020 ele retornou ao trabalho.
Em setembro de 2020, o Sr. José obteve uma sentença judicial que lhe concedeu aposentadoria por invalidez retroativa a abril de 2020, no valor de R$ 1.800,00 por mês.

Perceba que José não poderia cumular a aposentadoria por invalidez com o auxílio doença. Na hipótese, não houve percepção conjunta de benefícios. Contudo, na apuração do valor em cumprimento de sentença, observou-se que as parcelas atrasadas alcançavam um período em que o segurado havia usufruído outro benefício na via administrativa, o que acarreta a necessidade de compensação entre tais verbas.

Como deve ser feita a compensação?
A compensação de prestações previdenciárias, recebidas na via administrativa, quando da elaboração de cálculos em cumprimento de sentença concessiva de outro benefício, com elas não acumulável, deve ser feita mês a mês, no limite, para cada competência, do valor correspondente ao título judicial, não devendo ser apurado valor mensal ou final negativo ao beneficiário, de modo a evitar a execução invertida ou a restituição indevida.

O que isso significa?
Vamos estabelecer os seguintes marcos:
01 a 03/2020: Recebeu exclusivamente auxílio doença.
04 a 06/2020: Recebeu auxílio doença, mas já era devida a aposentadoria.
Haverá compensação de valores.
07 a 09/2020: Receberá valores retroativos a aposentadoria.
3 meses de retroativos → 3 x 1800 = R$5.400,00

Portanto, entre 04 e 06/2020 deverá haver compensação de valores. Ocorre que o auxílio doença já recebido foi de R$2.000,00 mensais, enquanto a aposentadoria devida é de apenas R$1.800,00. Portanto, em tese em cada mês José teria que devolver R$ 200,00, totalizando R$600,00, a serem abatidos do seu saldo total.

Ocorre que quando da elaboração de cálculos em cumprimento de sentença concessiva de outro benefício, com elas não acumulável, deve ser feita mês a mês, no limite, para cada competência, do valor correspondente ao título judicial, não devendo ser apurado valor mensal ou final negativo ao beneficiário.

Portanto, na prática os meses de 04 a 06/2020 devem ser simplesmente compensados, sem gerar qualquer saldo negativo. Ao final, portanto, José receberá o retroativo no valor de R$5.400,00, referentes aos meses de 07 a 09/2020.

IRDR decidido pelo TRF-4.
A mesma questão foi objeto de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR n. 5023872-14.2017.4.04.000 perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Tema 14), o qual definiu: “O procedimento no desconto de valores recebidos a título de benefícios inacumuláveis quando o direito à percepção de um deles transita em julgado após o auferimento do outro, gerando crédito de proventos em atraso, deve ser realizado por competência e no limite do valor da mensalidade resultante da aplicação do julgado, evitando-se, desta forma, a execução invertida ou a restituição indevida de valores, haja vista o caráter alimentar do benefício previdenciário e a boa-fé do segurado, não se ferindo a coisa julgada, sem existência de “refomatio in pejus”, eis que há expressa determinação legal para tanto.”

A compensação não pode gerar o dever de ressarcir valores.
Ocorre que o encontro de competências e, por conseguinte, a imposição legal de compensar as parcelas inacumuláveis não transformam o recebimento de benefício concedido mediante o preenchimento dos requisitos legais, no âmbito administrativo, em pagamento além do devido, de modo a se exigir sua restituição aos cofres da autarquia, pois não se trata de pagamento por erro da Administração ou por má-fé.

É possível que uma prestação previdenciária concedida na via administrativa seja superior àquela devida por força do título judicial transitado em julgado, pois o seu valor depende da espécie de benefício e do percentual estabelecido por lei a incidir na sua base de cálculo. Isso ocorre porque é a legislação que determina os critérios para fixação da Renda Mensal Inicial – RMI de cada prestação previdenciária. A RMI, por sua vez, é apurada com base no Salário de Benefício (SB), que é a média dos salários de contribuição do segurado. Ainda, cada espécie de benefício previdenciário possui um percentual específico que incidirá sobre o salário de benefício.

Assim, a depender do percentual do salário de benefício estipulado na norma, haverá diferença de valores. Além desse aspecto, a incidência, ou não, de fator previdenciário, de igual modo, implica alteração na RMI, e tudo isso pode elevar a renda mensal de uma aposentadoria em relação a outra, ainda que relativa ao mesmo segurado.

Portanto, eventuais diferenças a maior decorrentes, frise-se, de critérios legais não podem ser decotadas, pois, além de serem verbas de natureza alimentar recebidas de boa-fé, são inerentes ao próprio cálculo do benefício deferido na forma da lei, ao qual a parte exequente fez jus.

Ademais, o cumprimento de sentença deve observar o título judicial, sendo incabível falar em excesso de execução por falta de abatimento total das parcelas pagas administrativamente. Entendimento contrário levaria a uma execução invertida, pois tornaria o segurado-exequente em devedor, em certas competências, o que não se pode admitir, sobretudo quando o indeferimento indevido de benefícios tem ocasionado demasiada judicialização de demandas previdenciárias.
STJ. REsp 2.039.614-PR, REsp 2.039.616-PR, REsp 2.045.596-RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2024, DJe 28/6/2024 (info 818).

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