Exemplo Didático.
Imagine que três servidores públicos, Ana, Bruno e Carlos, sejam acusados de improbidade administrativa por desviar recursos de um projeto governamental. O montante total do dano causado é de R$300.000,00. Durante a ação, o juiz determina a indisponibilidade de bens para assegurar que o valor total seja ressarcido ao erário.

Cenários fictícios.
Vamos imaginar os seguintes cenários, com os valores bloqueados da contas dos réus.
Cenário 1:
Ana: R$300.000,00 bloqueados.
Bruno: R$300.000,00 bloqueados.
Carlos: R$300.000,00 bloqueados.
→ Total bloqueado: R$900.000.00.

Cenário 2:
Ana: R$100.000,00 bloqueados.
Bruno: R$100.000,00 bloqueados.
Carlos: R$100.000,00 bloqueados.
→ Total bloqueado: R$300.000.00.

Cenário 3:
Ana: R$50.000,00 bloqueados.
Bruno: R$100.000,00 bloqueados.
Carlos: R$150.000,00 bloqueados.
→ Total bloqueado: R$300.000.00.

Em quais cenários o bloqueio foi feito corretamente?
Apenas nos cenários 2 e 3. No cenário 1, os valores bloqueados que ultrapassem os R$300.000,00 devem ser liberados. Vamos entender o motivo…

Controvérsia.
Cinge-se a controvérsia em saber se, para fins de indisponibilidade de bens (art. 16 da Lei n. 8.429/1992, na redação pela Lei n. 14.230/2021), a responsabilidade de agentes ímprobos é solidária e permite a constrição patrimonial em sua totalidade, sem necessidade de divisão pro rata, ao menos até a instrução final da Ação de Improbidade, quando ocorrerá a delimitação da quota de cada agente pelo ressarcimento.

Entendimento das 1ª e 2ª Turmas do STJ.
Sobre a matéria, as Primeira e Segunda Turmas do STJ possuem entendimento pacífico de que:
Há solidariedade entre os corréus da ação [de improbidade administrativa] até a instrução final do processo, sendo assim, o valor a ser indisponibilizado para assegurar o ressarcimento ao erário deve ser garantido por qualquer um deles, limitando-se a medida constritiva ao quantum determinado pelo juiz, sendo defeso que o bloqueio corresponda ao débito total em relação a cada um.
STJ. AgInt no REsp n. 1.827.103/RJ,Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 29.5.2020.). Nesse mesmo sentido: REsp n. 1.919.700/BA, Rel. Ministra; Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 16.11.2021; AgInt no REsp n. 1.899.388/MG, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 10.3.2021; AREsp n. 1.393.562/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 7.10.2019; AgInt no REsp n. 1.910.713/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 16.6.2021; AgInt no REsp n. 1.687.567/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 2.3.2018; e REsp n. 1.610.169/BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 12.5.2017.

O art. 16, § 5º, da Lei nº 8.429/1992 não prevê uma limitação individual, mas sim coletiva, ao valor da indisponibilidade.
O art. 16, § 5º, da Lei n. 8.429/1992, com redação dada pela Lei n. 14.230/2021, assim dispõe ao regulamentar a matéria:
Lei nº 8.429/1992.
Art. 16. Na ação por improbidade administrativa poderá ser formulado, em caráter antecedente ou incidente, pedido de indisponibilidade de bens dos réus, a fim de garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito.
(…)
§ 5º Se houver mais de um réu na ação, a somatória dos valores declarados indisponíveis não poderá superar o montante indicado na petição inicial como dano ao erário ou como enriquecimento ilícito.

Observa-se que a lei não prescreve que a limitação da indisponibilidade deva ocorrer de forma individual para cada réu, mas, sim, de forma coletiva, considerando o somatório dos valores.

Esse ponto é fundamental para se constatar que a Lei de Improbidade Administrativa, com as alterações da Lei n. 14.320/2021, autorizou a constrição em valores desiguais entre os réus, desde que o somatório não ultrapasse o montante indicado na petição inicial como dano ao Erário ou como enriquecimento ilícito, na mesma linha do que já vinha entendendo esta Corte Superior. A propósito:
O acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que possui precedentes no sentido de que, “havendo solidariedade entre os corréus da ação até a instrução final do processo, o valor a ser indisponibilizado para assegurar o ressarcimento ao erário deve ser garantido por qualquer um deles, limitando-se a medida constritiva ao quantum determinado pelo juiz, sendo defeso que o bloqueio corresponda ao débito total em relação a cada um” (STJ. AgInt no REsp 1.899.388/MG, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 10/03/2021).
STJ. REsp n. 1.919.700/BA, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 16.11.2021.

Nesse sentido, efetivado o bloqueio de bens que garantam o quantum indicado na inicial ou outro estabelecido pelo juiz, devem ser liberados os valores bloqueados que sobejarem tal quantum. A restrição legal diz respeito apenas a que o somatório não ultrapasse o montante indicado na petição inicial ou outro valor definido pelo juiz.

Não há determinação legal para que o bloqueio seja feita de forma equitativa entre os réus.
Não há, portanto, no § 5º do art. 16 da Lei n. 8.429/1992 determinação para que a indisponibilidade de bens ocorra de forma equitativa entre os réus e na proporção igual (e limitada) de cada quota-parte, sendo adequado se manter, mesmo no regime da Lei n. 14.230/2021, a jurisprudência consolidada no STJ no sentido da solidariedade.

No caso concreto, o bloqueio foi mantido.
O citado artigo, ora em discussão, cuida do provimento cautelar de indisponibilidade de bens, cujo escopo é garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito. Tratando-se de decisão interlocutória proferida no âmbito da cognição sumária, razoável que se reconheça a possibilidade de, provisoriamente, haver responsabilização solidária, ao menos até o pronunciamento final, porque, neste estágio do processo, ainda não é possível, ordinariamente, determinar a responsabilidade de cada um dos litisconsorte pelo dano, sendo razoável que se mantenha a garantia, indiscriminadamente, sobre os bens de quaisquer dos acusados, limitado ao total reclamado.

Dessa forma, considerando a nova redação do § 5º do art. 16 da Lei 8.429/1992, afirma-se a seguinte tese jurídica:
#Tese Repetitiva – Tema 1.213-STJ: Para fins de indisponibilidade de bens, há solidariedade entre os corréus da Ação de Improbidade Administrativa, de modo que a constrição deve recair sobre os bens de todos eles, sem divisão em quota-parte, limitando-se o somatório da medida ao quantum determinado pelo juiz, sendo defeso que o bloqueio corresponda ao débito total em relação a cada um.
STJ. REsp 1.955.116-AM, REsp 1.955.957-MG, REsp 1.955.300-DF, REsp 1.955.440-DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/5/2024 (info 813).
STJ. REsp 1.955.116-AM, REsp 1.955.957-MG, REsp 1.955.300-DF, REsp 1.955.440-DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/5/2024 (info 813).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Área de Membros

Escolha a turma que deseja acessar: