Agravante do Art. 61, II, f, do CP.
Na segunda fase da dosimetria da pena é verificada a ocorrência de circunstâncias agravantes e atenuantes. Dentre as circunstâncias agravantes está o agente ter cometido o crime com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica (Art. 61, II, f, do CP).
Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
II. ter o agente cometido o crime:
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica.
Causa de aumento do art. 226, II, do Código Penal.
Já a causa de aumento do art. 226, II, do Código Penal está prevista na terceira fase da dosimetria. O artigo prevê que as penas dos delitos previstos no Título VI – crimes contra a dignidade sexual – serão aumentadas da metade nas hipóteses em que o agente possui autoridade sobre a vítima. Inegável a maior censurabilidade da conduta praticada por quem teria o dever de proteção e vigilância da vítima, além de ser condição apta a facilitar a prática do crime e a dificultar a sua descoberta.
Aumento de pena
Art. 226. A pena é aumentada: (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
I. de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
II. de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela; (Redação dada pela Lei nº 13.718, de 2018)
Ponto de contato entre a causa de aumento e a agravante: a relação de autoridade.
Constata-se que o único ponto de intersecção entre os dois dispositivos em análise é o atinente à existência de relação de autoridade. Na hipótese da majorante, o legislador previu cláusula casuística, na qual trouxe algumas situações em que o agente exerce naturalmente autoridade sobre a vítima, seguida de cláusula genérica, para abarcar outras situações não previstas expressamente no texto legal. No caso da agravante genérica, previu-se que a circunstância de o crime ser cometido com abuso de autoridade sempre agrava a pena. Nessa hipótese, revela-se evidente a sobreposição de situações.
Se o agente, além de possuir relação de autoridade sobre a vítima, praticar o crime em alguma das do art. 61, II, f, do CP, a agravante deve ser aplicada em conjunto com a majorante do art. 226, II, do CP.
Contudo, nos demais casos do art. 61, II, f, do CP, a conclusão deve ser distinta. Isso porque a circunstância de o agente cometer o crime prevalecendo-se das relações domésticas, de coabitação, de hospitalidade ou com violência contra a mulher na forma da lei específica não pressupõe, tampouco exige, qualquer relação de autoridade entre o agente e a vítima. Da mesma forma, o agente pode possuir autoridade sobre a vítima, sem, contudo, incidir, necessariamente, em alguma dessas circunstâncias que agravam a pena.
Portanto, se o agente, além de possuir relação de autoridade sobre a vítima, praticar o crime em alguma dessas situações, deve ser aplicada a agravante do art. 61, II, f, do CP, em conjunto com a majorante do art. 226, II, do CP. A aplicação simultânea da agravante genérica e da causa de aumento de pena, nessas hipóteses, não representa uma dupla valoração da mesma circunstância, não sendo possível falar em violação ao princípio do ne bis in idem. Se, do contrário, existir apenas a circunstância de ter o agente autoridade sobre a vítima, deve ser aplicada somente a causa de aumento dos crimes contra a dignidade sexual, diante de sua especialidade em relação à agravante.
Destaca-se que a jurisprudência do STJ posiciona-se neste sentido, pois:
Com razão as instâncias ordinárias, ao fazerem incidir quer a agravante genérica do art. 61, inciso II, alínea “f”, quer a causa de aumento específica do art. 226, inciso II, ambas do Código Penal, uma vez que fundamentaram a aplicação da agravante na coabitação e, com relação à causa específica, apontaram a condição do acusado ser pai das vítimas, mantendo com as menores o vínculo familiar expresso no pátrio poder, cuja relação de prevalência é totalmente diversa da relação de coabitação. Com efeito, não é condição de coabitação a relação de ascendência, ou vice-versa, demonstrando cabalmente, assim, tratar a lei de situações totalmente distintas.
STJ. HC 336.120/PR, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 25/4/2017.
Caso concreto.
No caso, o Tribunal a quo decotou a circunstância agravante por entender que a sua aplicação simultânea com a majorante específica do art. 226, II, do CP configuraria bis in idem, pois o mesmo fato – relação doméstica e parentesco – teria sido valorado negativamente duas vezes. Contudo, a circunstância de o crime ser cometido com prevalência das relações domésticas não se confunde com a relação de autoridade (ascendência) que o acusado possui sobre a vítima, razão pela qual inexiste bis in idem.
Tese fixada.
Ante o exposto, é fixada a seguinte tese:
#Tese Repetitiva – Tema 1.215-STJ: Nos crimes contra a dignidade sexual, não configura bis in idem a aplicação simultânea da agravante genérica do art. 61, II, f, e da majorante específica do art. 226, II, ambos do Código Penal, salvo quando presente apenas a relação de autoridade do agente sobre a vítima, hipótese na qual deve ser aplicada tão somente a causa de aumento.
STJ. REsp 2.038.833-MG, REsp 2.048.768-DF, REsp 2.049.969-DF, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 13/11/2024, DJe 18/11/2024 (info 834).