Exemplo didático.
Ana sofre constantemente com o mau cheiro decorrente do esgoto da sua rua, motivo pelo qual propôs uma ação por danos morais em face da companhia de esgoto. Durante a instrução processual, foi demonstrado que o odor é motivado por problemas técnicos na infraestrutura (de obrigação da companhia) e alcança níveis suficientes para prejudicar o bem-estar dos moradores, caracterizando defeito na prestação dos serviço. Por este motivo, a ré foi obrigada a indenizar Ana em R$ 10.000,00.

Qual o termo inicial dos juros moratórios da condenação?
No caso de demanda em que se pleiteia reparação moral decorrente de mau cheiro oriundo da prestação de serviço público de tratamento de esgoto, os juros moratórios devem ser contados desde a data da citação válida, salvo se a mora da prestadora do serviço tiver sido comprovada em momento anterior.

Posição tradicional e posição moderna do STJ
Tradicionalmente, o Superior Tribunal de Justiça define os efeitos da mora, dentre eles, especialmente, o termo inicial dos juros moratórios, a partir da categorização doutrinária clássica da responsabilidade civil quanto à origem da relação jurídica travada entre os litigantes, distinguindo a responsabilidade contratual da extracontratual.

Esse entendimento está cristalizado no verbete n. 54 da Súmula do STJ, segundo o qual:

#Súmula 54-STJ: Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.

A despeito de oferecer solução para fixar o termo inicial dos juros moratórios, referido enunciado sumular não aponta os critérios distintivos das espécies de responsabilidade contratual e extracontratual. Revisitando os precedentes que deram origem ao aludido verbete, nota-se que o discrímen utilizado se valia da classificação do ilícito: se absoluto, responsabilidade extracontratual; ou, se relativo, contratual.

Entretanto, a evolução dos estudos em Direito Civil aponta para a superação da teoria dualista, a partir do foco na reparação integral dos danos, aplicável tanto para os casos de responsabilidade contratual como extracontratual.

Importante frisar que o próprio Código de Defesa do Consumidor – CDC não adotou essa classificação dual, valendo-se de conceitos mais modernos da responsabilidade (em regra objetiva e solidária) pelo fato ou por vício do produto ou do serviço (artigos 12 a 25 do CDC), circunscrevendo a responsabilidade subjetiva apenas aos casos de profissionais liberais, que será apurada mediante a verificação de culpa (artigo 14, § 4º, CDC), conquanto no diploma consumerista não haja nenhuma disposição específica referente à constituição em mora.

Está caracterizada a mora (inadimplemento parcial) nos casos de cumprimento imperfeito, inexato ou defeituoso da prestação.
Nesse rumo, com a possibilidade de violação positiva do contrato e de seus deveres anexos, inspirados sob os princípios da boa-fé objetiva e da probidade, os quais devem permear todo o vínculo contratual, inclusive na fase de execução (sobretudo nos contratos de prestação continuada), também estará caracterizada a mora (inadimplemento parcial) nos casos de cumprimento imperfeito, inexato ou defeituoso da prestação. Desse modo:
(i) na responsabilidade contratual, é possível a caracterização da mora anteriormente à citação válida:
(a) na obrigação positiva, líquida e com termo certo;
(b) em caso de anterior notificação do responsável pela reparação dos danos;
(c) quando verificado inadimplemento absoluto devidamente comprovado nos contratos de prestação continuada;
(ii) na responsabilidade extracontratual, a regra é a constituição da mora a partir do evento danoso, mas também se mostra possível a sua configuração a partir da citação válida, quando ela não restar efetivamente comprovada em momento anterior; e
(iii) na dúvida, deve ser considerada a citação válida como termo inicial da mora.

Assim, havendo dúvida relevante quanto ao momento em que caracterizada a mora, deve ser aplicada a regra geral de que, não comprovada em momento anterior, deve ser considerada a data da citação, nos termos dos artigos 240 do Código de Processo Civil – CPC e 405 do Código Civil – CC.

Conclusão…
Em vista do exposto, fixa-se a seguinte tese:

#Tese Repetitiva – Tema 1.221-STJ: No caso de demanda em que se pleiteia reparação moral decorrente de mau cheiro oriundo da prestação de serviço público de tratamento de esgoto, os juros moratórios devem ser contados desde a data da citação válida, salvo se a mora da prestadora do serviço tiver sido comprovada em momento anterior.

STJ. REsp 2.090.538-PR, REsp 2.094.611-PR, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 27/11/2024 (info 835).

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