Controvérsia.
A controvérsia consiste em definir se a seguradora se sub-roga nas prerrogativas processuais inerentes aos consumidores, em especial na regra de competência prevista no art. 101, I, do Código de Defesa de Consumidor (CDC), em razão do pagamento de indenização ao segurado em virtude do sinistro.
Exemplo didático.
Devido a um distúrbio elétrico, a geladeira da casa de José parou de funcionar. Felizmente, ele possuía um seguro e foi indenizado. No entanto, a Seguradora X ingressou com uma ação regressiva contra a Concessionária de Energia (Enel), buscando o ressarcimento do valor pago na indenização.
A ação foi proposta no foro do domicílio de José, e não no foro da Enel. Além disso, a seguradora requereu a inversão do ônus da prova, argumentando que, ao se sub-rogar nos direitos de José, faria jus às mesmas prerrogativas processuais típicas das relações de consumo.
Código de Defesa do Consumidor
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VIII. a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
(…)
Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:
I. a ação pode ser proposta no domicílio do autor.
A escolha do foro no domicílio de José e o pedido de inversão do ônus da prova foram adequados?
Não. O pagamento de indenização por sinistro não gera para a seguradora a sub-rogação de prerrogativas processuais dos consumidores, em especial quanto à competência na ação regressiva.
A sub-rogação se limita a transferir os direitos de natureza material, não abrangendo os direitos de natureza exclusivamente processual decorrentes de condições personalíssimas do credor.
O art. 379 do Código Civil estabelece que “a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se consolidou no sentido de que a sub-rogação se limita a transferir os direitos de natureza material, não abrangendo os direitos de natureza exclusivamente processual decorrentes de condições personalíssimas do credor.
Nesse sentido, não é possível a sub-rogação da seguradora em norma de natureza exclusivamente processual e que advém de uma benesse conferida pela legislação especial ao indivíduo considerado vulnerável nas relações jurídicas, a exemplo do que preveem os arts. 6º, VIII e 101, I, do CDC.
A seguradora deve propor a ação no foro do réu.
A opção pelo foro de domicílio do consumidor (direito processual) prevista no art. 101, I, do CDC, em detrimento do foro de domicílio do réu (art. 46 do Código de Processo Civil), é uma faculdade processual conferida ao consumidor para as ações de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços em razão da existência de vulnerabilidade inata nas relações de consumo. Busca-se, mediante tal benefício legislativo, privilegiar o acesso à justiça ao indivíduo que se encontra em situação de desequilíbrio.
A seguradora também não tem direito a inversão do ônus da prova.
Logo, a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC não pode ser objeto de sub-rogação pela seguradora por se tratar de prerrogativa processual que decorre, diretamente da condição de consumidor.
Tese fixada:
#Tese Repetitiva – Tema 1.282-STJ: O pagamento de indenização por sinistro não gera para a seguradora a sub-rogação de prerrogativas processuais dos consumidores, em especial quanto à competência na ação regressiva.
STJ. REsp 2.092.308-SP, REsp 2.092.311-SP, REsp 2.092.310-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 19/2/2025 (info 841).