Conceitos necessários.
Franquia de Consumo: Também conhecida como “tarifa mínima”, refere-se a uma quantidade básica de consumo que cada unidade consumidora (economia) deve pagar, independentemente do uso real. É uma forma de garantir receita fixa para a prestadora de serviços, cobrindo parte dos custos fixos do serviço.
“Economia”: Para efeitos do julgado, corresponde a uma unidade residencial.
Formas de medição do consumo de água.
Medição individualizada: Ocorre quando a companhia de água realiza a medição individualizada do consumo de cada uma das unidades consumidoras e envia as respectivas contas.
Medição global: Também conhecida como medição coletiva, utiliza um único medidor para registrar o consumo total de todas as unidades de um condomínio ou complexo de apartamentos.
Modelo híbrido: Combina elementos de dois sistemas distintos: a medição global (um único medidor para todo o condomínio) e a medição individualizada (um medidor para cada unidade). Nesse caso, geralmente a conta de água é paga conjuntamente com a conta do condomínio, levando em consideração a medição do consumo individual.

Trata-se de proposta de revisão de tese.
Trata-se de proposta de revisão do entendimento estabelecido em tese repetitiva firmada pela Primeira Seção relativa ao Tema 414/STJ, quanto à forma de cálculo da tarifa progressiva dos serviços de fornecimento de água e de esgoto sanitário em unidades compostas por várias economias e hidrômetro único, após a aferição do consumo. Vejamos a tese antiga:
#Tema 414/STJ: Não é lícita a cobrança de tarifa de água no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, quando houver único hidrômetro no local. A cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total de água é medido por único hidrômetro deve se dar pelo consumo real aferido.

Composição das tarifas de consumo de água: parcela fixa + parcela variável.
A previsibilidade das receitas de serviços de saneamento é assegurada por uma estrutura tarifária em duas etapas:
Parcela Fixa (Franquia de Consumo): Esta tarifa fixa é cobrada de todos os usuários para garantir receitas recorrentes que cobrem os altos custos fixos do serviço de saneamento. É cobrada independentemente do consumo real, desde que o consumo esteja dentro do limite mínimo e máximo estabelecido pelas normas locais. A parcela fixa é fundamental para viabilizar os investimentos necessários e fornecer subsídios tarifários às populações economicamente vulneráveis, dado que o setor opera sob um regime de monopólio natural, sem a dinâmica do livre mercado.
Parcela Variável: Esta tarifa é aplicada apenas se o consumo real de água exceder a franquia paga pela parcela fixa. A parcela variável é destinada principalmente a inibir o consumo irresponsável de água, promovendo o uso consciente desse recurso escasso. Este componente da tarifa segue o princípio de que quem consome mais, paga mais, refletindo o custo adicional associado ao consumo elevado.
Essa estrutura tarifária em duas etapas permite à prestadora de serviços de saneamento cobrir os custos operacionais e incentivar o uso eficiente dos recursos. A parcela fixa assegura uma receita mínima constante, enquanto a parcela variável adapta a cobrança ao comportamento de consumo dos usuários, promovendo a sustentabilidade do serviço e a justiça tarifária.

Análise crítica das metodologias de cálculo da tarifa de água e esgoto de condomínios.
A análise crítica e comparativa das metodologias de cálculo da tarifa de água e esgoto para condomínios com um único hidrômetro revela que tanto o método do consumo real global quanto o modelo híbrido não atendem aos fatores e diretrizes estabelecidos nos arts. 29 e 30 da Lei n. 11.445/2007. Esses métodos criam assimetrias na regulação dos serviços de saneamento, colocando os condomínios em posições de vantagem ou desvantagem injustificáveis.

Pela antiga redação da tese fixada no Tema 414/STJ, não era lícita a cobrança de tarifa de água no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, quando houver único hidrômetro no local.

Tal entendimento criava uma situação de favorecimento aos moradores de condomínios que optavam pelos modelos de medição única ou híbrido. Por exemplo:
Em um condomínio com medição individualizada, cada um dos condôminos pagaria: “parcela fixa”, que corresponderia a taxa mínima + “parcela variável”, que corresponderia ao consumo que passasse da taxa mínima.
Em um condomínio com medição híbrida, haveria o pagamento de apenas uma “parcela fixa”. Esta, juntamente com a “parcela variável”, seria dividida entre os condôminos de acordo com a leitura individual de consumo.

Não se verifica, entretanto, razão jurídica ou econômica que justifique manter o entendimento jurisprudencial consolidado quando do julgamento, em 2010, do REsp n. 1.166.561/RJ, perpetuando-se um tratamento anti-isonômico entre unidades de consumo de água e esgoto baseado exclusivamente na existência ou inexistência de medidor individualizado, tratamento esse que não atende aos fatores e diretrizes de estruturação tarifária estabelecidos nos arts. 29 e 30 da Lei n. 11.445/2007.

É preciso, enfim, rever esse entendimento a fim de superá-lo, evitando-se, assim, que alguns consumidores usufruam de posição injustificadamente privilegiada, já que desobrigados de arcar com a franquia de consumo – parcela fixa da tarifa de saneamento básico – que de todos é exigida, e cuja ratio essendi é a amortização dos custos fixos incorridos pelas prestadoras dos serviços para torná-los universais, eficientes e perenemente disponíveis, e para que sejam oferecidos a populações economicamente vulneráveis de forma subsidiada.

Novas teses jurídicas fixadas.
Dessa forma, são fixadas as seguintes teses jurídicas de eficácia vinculante, sintetizadoras da ratio decidendi deste julgado paradigmático de superação do REsp n. 1.166.561/RJ e de revisão do Tema 414/STJ:
1. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa (“tarifa mínima”), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.
2. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia).
3. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.

Modulação de efeitos.
Trata-se, ademais, de evolução substancial da jurisprudência que bem se amolda à previsão do art. 927, § 3º, do CPC, de modo a autorizar a parcial modulação de efeitos do julgamento, a fim de que às prestadoras dos serviços de saneamento básico seja declarado lícito modificar o método de cálculo da tarifa de água e esgoto nos casos em que, por conta de ação revisional de tarifa ajuizada por condomínio, esteja sendo adotado o “modelo híbrido”. Entretanto, fica vedado, para fins de modulação e em nome da segurança jurídica e do interesse social, que sejam cobrados dos condomínios quaisquer valores pretéritos por eventuais pagamentos a menor decorrentes da adoção do chamado “modelo híbrido”.

Nos casos em que a prestadora dos serviços de saneamento básico tenha calculado a tarifa devida pelos condomínios dotados de medidor único tomando-os como um único usuário dos serviços (uma economia apenas), mantém-se o dever de modificar o método de cálculo da tarifa, sem embargo, entretanto, do direito do condomínio de ser ressarcido pelos valores pagos a maior e autorizando-se que a restituição do indébito seja feita pelas prestadoras por meio de compensação entre o montante restituível com parcelas vincendas da própria tarifa de saneamento devida pelo condomínio, até integral extinção da obrigação, respeitado o prazo prescricional. Na restituição do indébito, modulam-se os efeitos do julgamento de modo a afastar a dobra do art. 42, parágrafo único, do CDC, à compreensão de que a dinâmica da evolução jurisprudencial relativa ao tema conferiu certa escusabilidade à conduta da prestadora dos serviços.
STJ. REsp 1.937.887-RJ, REsp 1.937.891-RJ, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2024, DJe 25/6/2024 (info 818).

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