Explicação simplificada

Mercados de compra de energia.
Existem duas formas de comprar energia.
Mercado Cativo: Nós, meros consumidores mortais, compramos energia diretamente da distribuidora.
Mercado Livre: As grandes consumidoras podem comprar energia diretamente dos geradores, independentemente de sua localização geográfica. Qual a vantagem disso? Eles podem negociar diretamente o preço, e assim conseguir pagar menos.

Tanto no mercado livre quanto no mercado cativo, incide ICMS sobre a operação de compra.
Mas agora imagine que a empresa B comprou 5 MW de energia no Mercado Livre (por favor, não confunda com o site). Acontece que houve uma sobra de energia (ele só gastou 4 MW).

Ele poderá vender esse 1MW de sobra para a empresa B?
SIM. É o chamado Mercado de Curto Prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Agora, vamos lá. Você lembra que o ICMS é um tributo não cumulativo? Ótimo.
Sendo um tributo não cumulativo, se o ICMS já incidiu na compra, não deverá incidir também na “revenda” dessa energia no mercado de curto prazo, sob pena de indevido bis in idem.

Eu acho que agora ficou simples até demais. Vamos dar uma aprofundada?
Atente-se que o Consumidor Livre que compra a energia, terá que pagar por duas coisas:
Paga a energia propriamente dita;
Paga a chamada “Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição” (TUSD), ou “tarifa de fio”. A energia comprada precisa chega até o local de consumo. Para isso, esse consumidor precisará remunerar a distribuidora de energia proprietária da infraestrutura. Faz sentido, não é?

Pois agora, a dúvida é: Incide ICMS sobre o TUSD?
Sim.

#Tese Repetitiva – Tema 986-STJ: A Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e/ou a Tarifa de Uso de Distribuição (TUSD), quando lançada na fatura de energia elétrica, como encargo a ser suportado diretamente pelo consumidor final (seja ele livre ou cativo), integra, para os fins do art. 13, § 1º, II, ‘a’, da LC 87/1996, a base de cálculo do ICMS.
STJ. REsp 1.699.851-TO, REsp 1.692.023-MT, REsp 1.734.902-SP, REsp 1.734.946-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 13/3/2024 (info 804).

Prevaleceu: STJ. 1ª Turma. REsp 1.163.020-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 21/3/2017 (Info 601).
Posição superada: STJ. 2ª Turma. REsp 1649658/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 20/04/2017.

Explicação aprofundada

Os encargos setoriais correlacionados com operações de transmissão e distribuição de energia elétrica lançados nas faturas de consumo de energia elétrica compõem a base de cálculo do ICMS?
A questão controvertida nos feitos que foram afetados ao julgamento no rito dos Recursos Repetitivos tem por escopo definir se os encargos setoriais correlacionados com operações de transmissão e distribuição de energia elétrica – especificamente a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) -, lançados nas faturas de consumo de energia elétrica, e suportados pelo consumidor final, compõem a base de cálculo do ICMS.

A discussão tem tanto natureza constitucional quanto infraconstitucional.
Inicialmente, merecem atenção as referências, tanto na disciplina constitucional (art. 34, § 9º, do ADCT) como na infraconstitucional (arts. 9º, § 1º, II, e 13, I, e § 2º, II, “a”, da LC 87/1996), a expressões que, de modo inequívoco, indicam como sujeitas à tributação as “operações” (no plural) com energia elétrica, “desde a produção ou importação até a última operação”. Tal premissa revela-se de essencial compreensão, pois o sistema nacional da energia elétrica abrange diversas etapas interdependentes, conexas finalisticamente, entre si, como a geração/produção (ou importação), a transmissão e a distribuição.

Atividades essenciais da indústria de energia elétrica.
Nesse sentido, as atividades essenciais da indústria de energia elétrica, conforme a disciplina jurídica vigente no território nacional, são:
Produção/geração: A atividade que dá início ao processo é a geração, quando ocorre a produção de eletricidade por meio de fontes diversas (hidrelétrica, eólica, etc.).
Transmissão: Posteriormente, dá-se a transmissão, ou seja, a propagação de eletricidade, que ocorre em alta tensão, por longa distância. No atual modelo jurídico em vigor o transmissor não compra ou vende energia elétrica, limitando-se a disponibilizar as instalações em alta voltagem e a respectiva manutenção.
Os usuários dos sistemas de transmissão, por sua vez, celebram Contrato de Uso do Sistema de Transmissão – CUST; definem no contrato a quantidade de uso contratada e efetuam o pagamento do montante contratado, mediante a aplicação da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão – TUST.
Distribuição de eletricidade: A distribuição de eletricidade é a etapa final no processo de entrega de energia elétrica aos consumidores, após sua geração (produção) e transmissão. Abrange:
a disponibilização de instalações que propagarão energia elétrica, em baixa tensão, normalmente a curtas distâncias, aos consumidores a ela conectados; e
a comercialização de energia elétrica à parte dos usuários conectados à sua rede.

Comercialização da energia elétrica.
Nesse contexto, existem dois diferentes ambientes em que se dá a comercialização de energia elétrica.

O primeiro é o Ambiente de Contratação Livre – ACL, no qual ocorre a comercialização por livre negociação entre os agentes vendedores (geradores ou terceiros comerciantes) e os agentes compradores – denominados consumidores livres (em regra, indústrias de grande porte, que consomem elevada quantidade de energia elétrica no processo produtivo) -, nos termos do art. 1º, § 3º, da Lei 10.848/2004. No ACL, a atividade da distribuidora se resume à disponibilização de sua rede, na forma de Contratos de Uso do Sistema de Distribuição – CUSD celebrados com os usuários, com a incidência da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição – TUSD.

De outro lado, no Ambiente de Contratação Regulada – ACR, a distribuidora disponibiliza a sua rede aos usuários – os quais são denominados consumidores cativos (consumidores residenciais e empresas de pequeno ou médio porte) -, mediante pagamento de tarifa (TUSD), como vendedora de energia elétrica.

Além da TUST e da TUSD, comumente denominadas “tarifas de fio”, a fatura de consumo de energia elétrica prevê a incidência da “Tarifa de Energia” (TE), que é referente ao valor da operação de compra e venda da energia elétrica a ser consumida pelo usuário.

Questionamento.
É importante esclarecer que todos os encargos acima referidos são suportados, efetivamente, pelo consumidor final da energia elétrica, sendo irrelevante definir a natureza jurídica da TUST e da TUSD (se taxa ou preço público), porquanto o presente objeto litigioso pode ser assim definido:

Constituindo tais cobranças a remuneração por serviço alegadamente intermediário e inconfundível com a compra e venda de energia elétrica (pois a transmissão e a distribuição de energia elétrica não constituem circulação jurídica da aludida mercadoria), seria possível a sua inclusão na base de cálculo do ICMS?

Mudança de orientação jurisprudencial.
No Superior Tribunal de Justiça, a resposta ao questionamento acima costumeiramente se dava no sentido de definir que a TUSD (estendendo-se o mesmo raciocínio para a TUST) não integra a base de cálculo do ICMS sobre o consumo de energia elétrica, “uma vez que o fato gerador ocorre apenas no momento em que a energia sai do estabelecimento fornecedor e é efetivamente consumida. Assim, tarifa cobrada na fase anterior do sistema de distribuição não compõe o valor da operação de saída da mercadoria entregue ao consumidor”.

O entendimento acima, que vinha sendo construído, ao que parece, a partir do precedente contido no REsp 222.810/MG (Rel. Ministro Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, DJ 15.5.2000, p. 135), foi modificado pelo julgamento, na Primeira Turma do STJ, do REsp 1.163.020/RS (Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe 27.3.2017), quando se definiu que:

“O ICMS incide sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista a indissociabilidade das suas fases de geração, transmissão e distribuição, sendo que o custo inerente a cada uma dessas etapas – entre elas a referente à Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) – compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do imposto, nos termos do art. 13, I, da Lei Complementar n. 87/1996”.

Com efeito, os pronunciamentos do STJ a respeito da inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS-Energia Elétrica valeram-se de precedentes anteriores que examinaram tema conexo, mas absolutamente distinto, isto é, se a contratação de potência de energia (energia contratada, mas não consumida) está incluída no conceito de fato gerador da energia elétrica, para efeito de incidência do ICMS. Em momento algum, nos aludidos precedentes iniciais, houve enfrentamento específico a respeito da inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS.

É no presente caso, contudo, que se debate o que se deve entender pela expressão “tarifa correspondente à energia efetivamente consumida”, isto é, se abrange somente a “Tarifa de Energia” (TE) – em relação à qual não há dissídio entre as partes – ou também a TUST e a TUSD, como integrantes das operações feitas “desde a produção até a operação final”, de efetivo consumo da energia. Assim, uma coisa é a remuneração do serviço público (de transmissão e distribuição de energia elétrica) por tarifa (respectivamente, TUST e TUSD), como instrumento de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contratos firmados para atividades empresariais que, por razões de política de gestão do sistema de energia elétrica, foram desmembradas da geração da energia elétrica, bem como analisar se tal tipo de serviço constitui “circulação de mercadoria” (fato gerador do ICMS). Questão absolutamente diversa é definir se o repasse de tais encargos ao consumidor final, na cobrança da fatura de consumo de energia elétrica, deve compor a base de cálculo do ICMS.

A alegada “autonomia dos contratos relativos à transmissão e distribuição de energia elétrica” não tem qualquer efeito prático para a discussão.
Dessa forma, o entendimento concernente à alegada autonomia dos contratos relativos à transmissão e distribuição de energia elétrica, como situação autônoma e desvinculada do consumo, revela-se de todo inútil e equivocado para os fins de solução da lide. Inútil porque não se está a discutir a incidência de ICMS sobre tal fato (celebração de contrato), ou sobre a prestação de serviço – transmissão e distribuição de energia elétrica. Equivocada (a premissa) porque não se revela logicamente concebível afirmar que a transmissão e distribuição de energia elétrica possam ser qualificadas como autônomas, independentes, pois a energia elétrica é essencialmente produzida ou gerada para ser consumida, se parte dessa mercadoria, circunstancialmente, não for consumida, tal situação dirá respeito à própria não ocorrência do fato gerador do ICMS.

Sendo assim, mostra-se incorreto concluir que, apurado o efetivo consumo da energia elétrica, não integram o valor da operação, encontrando-se fora da base de cálculo do ICMS, os encargos relacionados com situação que constitui antecedente operacional necessário (a transmissão e a distribuição, após a prévia geração da energia elétrica que foi objeto de compra e venda).

Tal raciocínio não condiz com a disciplina jurídica da exação que, seja no ADCT (art. 34, § 9º), seja na LC 87/1996 (art. 9º, § 1º, II), quando faz referência ao pagamento do ICMS sobre a energia elétrica, conecta tal situação (isto é, o pagamento do tributo) à expressão “desde a produção ou importação até a última operação”, o que somente reforça a conclusão de que se inclui na base de cálculo do ICMS, como “demais importâncias pagas ou recebidas” (art. 13, § 1º, II, “a”, da LC 87/1996), o valor referente à TUST e ao TUSD – tanto em relação aos consumidores livres como, em sendo o caso, para os consumidores cativos.

LC nº 87/1996 – Lei Kandir.
Art. 9º A adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais dependerá de acordo específico celebrado pelos Estados interessados.
§1º A responsabilidade a que se refere o art. 6º poderá ser atribuída:
(…)
II. às empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica, nas operações internas e interestaduais, na condição de contribuinte ou de substituto tributário, pelo pagamento do imposto, desde a produção ou importação até a última operação, sendo seu cálculo efetuado sobre o preço praticado na operação final, assegurado seu recolhimento ao Estado onde deva ocorrer essa operação.
(…)
Art. 13. A base de cálculo do imposto é:
§1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive nas hipóteses dos incisos V, IX e X do caput deste artigo: (Redação dada pela Lei Complementar nº 190, de 2022)
(…)
II. o valor correspondente a:
a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição;

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Art. 34, §9º Até que lei complementar disponha sobre a matéria, as empresas distribuidoras de energia elétrica, na condição de contribuintes ou de substitutos tributários, serão as responsáveis, por ocasião da saída do produto de seus estabelecimentos, ainda que destinado a outra unidade da Federação, pelo pagamento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias incidente sobre energia elétrica, desde a produção ou importação até a última operação, calculado o imposto sobre o preço então praticado na operação final e assegurado seu recolhimento ao Estado ou ao Distrito Federal, conforme o local onde deva ocorrer essa operação.

Não é possível o fornecimento de energia elétrica diretamente pelas usinas, sem passar pelas redes interconectadas de transmissão.
Ressalte-se, por fim, que a única hipótese que, em princípio, justificaria a tese defendida pelos contribuintes, seria aquela em que fosse possível o fornecimento de energia elétrica diretamente pelas usinas produtoras ao consumidor final, sem a necessidade de utilização das redes interconectadas de transmissão e distribuição de energia elétrica – hipótese em que, a rigor, nem sequer seriam por ele devidos os pagamentos (como efetivo responsável ou a título de ressarcimento, conforme previsão em lei, regulamentação legal ou contratual) de TUST e TUSD.
STJ. REsp 1.699.851-TO, REsp 1.692.023-MT, REsp 1.734.902-SP, REsp 1.734.946-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 13/3/2024 (info 804).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Área de Membros

Escolha a turma que deseja acessar: